Pela janela
Fico observando a paisagem urbana
através de minha janela adaptada contra a luz do sol, na noite que chove e faz
calor, e enquanto uma música toca nos alto-falantes do computador mais próximo,
uma música conhecidíssima, íntima, sempre presente nos tempos idos, fico
olhando para a avenida intransponível durante o dia e deserta nessa hora em que
a maioria dorme e outros tantos estão acordados fazendo-se sabe lá o que!
Observo, sem querer, que não
existem estrelas, apenas as luzes vermelhas no topo dos prédios avisando aos
aviões que existe um edifício ali. Vermelhas como o sinal de pare do semáforo,
como o batom que percorre muitas bocas durante o dia, como as cartas de um
baralho que enriquece uns e empobrece outros, como a felicidade de verão de
casais apaixonados, como a lingerie dos filmes e fotos, como a cor dos olhos
após uma desilusão – ou após uma alergia pesada.
São tantas que as estrelas somem deixando
um céu feio, escuro, sem brilho, sem olhos, sem passado e sem perspectivas.
Lindas estrelas que habitam o mais-que-longe do universo somem como se fossem
peixes assustados deixando sonhos sem graça (quando existem), ao sabor de uma
vida artificial, construída em prédios sem espaço, sem jardins, sem críticas,
sem barulhos, sem gritos e sem diversão.
Perscrutando esses prédios não
vejo o você que os poetas tanto falam, nem aqueles amores de números que
sucedem uma boa prosa. Apenas a incapacidade de estar tranquilo com a vida.
Nesses prédios, a vida é sempre monótona e menos interessante que o cálculo de
uma integral tripla de uma função trigonométrica hiperbólica.
Sem nada para distrair-me acabo
fechando essa janela quebrável, feia, e vou para o único lugar onde a vida
ruge: a música que toca no computador alheio mais próximo.
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