O Ninguém
Ninguém verá os meus sonhos nem todas
aquelas necessidades que surgem quando a luz apaga, a febre ataca, a chuva cai e
todos dormem. Ninguém ouvirá as necessidades que saem de debaixo da cama quando
a bateria descarrega e a mente passa a funcionar obstinadamente para alcançar
um único ponto no passado. Ninguém manda mensagens no meio da madrugada, depois
de anos-luz separados por um silêncio provocado pelas mais ousadas expressões.
Ninguém manda beijos via fibra óptica, que levam dados pelo mundo.
De repente, Ninguém ganha um
nome, um rosto e um baú de recordação e motivos para permanecer na obscuridade
da saudade, do anonimato que faz tanto bem à sanidade de um estado que só
floresce na madrugada. Então, não de repente, não sem as amenidades que rugem na
memória dentro do tal baú, a noite deixa de ser fria, esquecida e isolada, e
passa para seu estado de constante metamorfose em que a distância e o tempo são
elementos que só existem na pequenez de um cronograma rigidamente seguido
durante o cansativo dia.
Ninguém caiu no esquecimento,
como se faz pensar. Ninguém verá tudo àquilo que é feito nas entrelinhas da graça
despretensiosa. Ninguém percebe, porém, a arte que emerge, nem os mais que
fazem uma coletânea virar obra de arte inestimável.
Da noite que encobre todos os
casos, a crença na normalidade do amanhã recria as novas oportunidades que
Ninguém há de notar.
Meus sonhos estão guardados entre
as coisas, coisadas, que são guardadas em livros, cujas capas não são nenhum pouco
atrativas. Aquelas necessidades, monstros alienáveis, são trancafiadas sob a
luz de um novo coisamento. Ninguém vai para lugar nenhum, nem deixa lugar
algum. Só aparece sob a luz da fantasia para sumir na escuridão do fechamento
dos olhos.
Do outro lado, a sós, Ninguém
deixa as amenidades e parte para a surpresa da noite em que tudo pode e tudo é
ilimitado para ir embora perguntando uma idade, um número frio e sem sentido.
Ninguém some com os primeiros
raios do sol tropical.
Chorando e Cantando - Geraldo Azevedo
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