A graça da desgraça coletiva

Os desconfortos do transporte coletivo nas capitais brasileiras também apresentam seu lado mais divertido, apesar do humor ser manchado pela mancha do desrespeito.  Geralmente os ônibus estão abarrotados de gente, que carrega mala, bolsas, compras, cadernos, tranqueiras de todo tipo, principalmente nos horários de pico, e que trafegam nos terminais de integração – onde eles existem – com milhares de histórias engraçadas, tristes, estranhas, coloridas, salgadas, sujas, puras.
Entre um assento vazio e as pessoas, barradas pelas portas do ônibus, há a correria desnecessária que faz com que pessoas caiam no espaço entre o batente do automóvel e o chão sujo da rua, ou do terminal. Entre a partida e a chegada existem milhares de curvas que fazem com que o veículo quase vire quando o motorista, por costume, estresse, pressa ou fome, brinca com a física e as leis matemáticas que direcionam os conduzidos e o conduzente. Um dia um ônibus há de virar e, nesse dia, alguém vai ter que concordar que os motoristas precisam de treinamento constante, descanso regular e uma carga horária de trabalho menor. A culpa nem sempre está no agente direto da ação.
No meio do “baculejo” de uma pequena viagem de ônibus, dentro da mesma cidade ou da região metropolitana, as pessoas tentam ocupar o mesmo lugar –sem sucesso evidentemente -, tentam lembrar que a situação é passageira – sempre tem um ônibus sem um cidadão malcheiroso. O “baculejo” do ônibus faz a comida revirar no estômago, a saliva secar, a visão rodopiar e a paciência ir para o raio já partido onde nem o diabo tem coragem de ir.
No meio desse auê, sem desculpas nem pedidos de retratação, tem a mulher que conta a incrível experiência em um motel barato, às margens de uma rua conhecidíssima, e sua perspicácia ao constatar- antes do companheiro – que o quarto possui ar-condicionado. E ela tem um sonho: colocar espelhos no próprio quarto, espero que ela realize esse desejo tão particular; tem o homem que se gaba de não “abusar” das mulheres devido ao aperto do ônibus, que justificaria qualquer “esfregadinha”. Mas, segundo ele, nem sempre é possível evitar. Confissão sincera?

_Que ele esteja em paz? – diz alguém em meio ao desafio de manter-se em equilíbrio em um ônibus lotado.

_Ele quem? – pergunto.

_ O motorista! – responde.

E então o ônibus não balança tanto, a viagem segue na tranquilidade de um “baculejo” leve e para como um meteoro que estanca repentinamente.
É engraçado o que as pessoas pensam ao subir e ao descer de um ônibus coletivo e aquilo que não expressam transforma-se em pensamentos sem ação, estranhos. É engraçado como acham normal as atrocidades que acontecem nesse meio tão “acolhedor”.
Engraçado mesmo, pode não ser, mas é tão deprimente que um sorriso sobe e explode em gargalhada, quase sempre.

E tem gente que não nota as pequenas coisas da vida.

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