O que vejo na rua
![]() |
Arte: Cleopatra and the Peasant. Eugène Delacroix. MET. |
Às vezes, quando vou sair ou quando estou em minha mesa, paro por alguns instantes e olho a rua e os transeuntes. Vejo a mulher que empurra um carrinho de mão cheio de material reciclável com o rosto pingando de suor ao sol da tarde; vejo o drogado do fim da rua que busca uma porta esquecida entreaberta; vejo o morador da casa em frente que sai à rua com sua cadeira branca, sempre no mesmo horário; vejo os carroceiros esperando um serviço fortuito; vejo crianças brincando nas calçadas; vejo os fiéis indo aos seus templos cumprir com suas obrigações espirituais e seculares; vejo a mercearia da esquina que nunca tem gente.
Parado, observando, vejo todas essas pessoas que dão vida a uma rua, a um bairro, sempre buscando, para lá e para cá, um sentido para as suas vidas e o dinheiro necessário para suprir as suas necessidades. Vejo em alguns uma tristeza transbordante que queima a pele e endurece o rosto. Vejo em outros uma vida que se esvai enquanto espera que simplesmente nada aconteça, como todos os dias. Vejo-me em rostos tristes que não sabem mais o que fazer para ter um pouco de descanso; vejo-me em corpos flácidos, em sorrisos ausentes, em peles queimadas.
Vejo-me em uma vida que não tem sentido e fazendo coisas que não tem valor.
E pisco. Viro o rosto. E tento seguir adiante com tristezas tantas e imensas e com alegrias tão simplórias que seriam inexplicáveis para o transeunte preocupado com o jantar.
Eu sigo com as mesmas certezas que um Deus observador tem.
Eu sigo olhando para a frente da mesma forma que segue a mulher que empurra o carrinho de mão - sem grandes esperanças.
Comentários
Postar um comentário
Após análise, seu comentário poderá ser postado!