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As dores dos que passam

Sentado no banco da praça Luiz Nogueira, olhando para a igreja católica do século XVIII, penso no que pode estar se passando da cabeça dos transeuntes.  O homem com relógio dourado, celular à mão e envelope de papel pardo embaixo do braço passa conversando com alguém que ficou à porta de alguma loja.  Os mototaxistas, esperando um cliente, estão jogando conversa fora. A mesma conversa de todos os dias? Os vendedores do varejo de uma cidade pequena onde todos se conhecem tentam sobreviver ao tédio, ao ostracismo de uma profissão fadada ao enriquecimento de alguém cujo nome é conhecido, mas desprovido de rosto. Os trabalhadores de uma obra pública são os únicos estrangeiros que quebram a rotina de um povo que se ocupa apenas em sobreviver em horário comercial. Olho para todos os que passam entre carros, pessoas, bancos e árvores e imagino o que lhes pode provocar aflição, tristeza, desânimo, profundo mal-estar consigo. Quantos, neste exato momento, podem estar desejando o fim de...

Diário de um abandonado I

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Foto: Sofá. John Henry Belter. Metmuseum.   Eu não sei por onde começar. E talvez seja muita pretensão escrever sobre o meu abandono em um mundo de abandonados e invisíveis. Mas se cada um tem sua dor e sua alegria, em uma eterna roda dentada que nos deixa moídos e fragilizados sempre que somos obrigados a impulsioná-la, temos, então, histórias e olhares diferentes e comoventes, embora o cenário pareça sempre o mesmo.  E, antes de tudo, você precisa saber que nem um psicólogo dos serviços públicos eu consegui encontrar para chorar e desabafar, deixando-o perplexo, incomodado e esquecido no "até a próxima" que jamais aconteceria.  Neste momento eu estou sentado em uma mesa doada, ouvindo Vapor Barato, na interpretação de Gal Costa e Zeca Baleiro - e essa música aleatória descreve muito bem o meu estado de espírito.  Eu estou cansado. Exausto. Deprimido. Falido. Desiludido.  Não sei onde eu comecei a errar tanto e sei também que o problema não está exclusivamente ...

Entre sujeiras e miolos V

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Arte: Édouard Manet, sentado, segurando o chapéu. Degas. Metmuseum.  Disseram que se eu continuar assim vou acabar depressivo - isso se eu já não estiver. Dois centímetros de lixo no chão Crostas de sujeiras em todas as superfícies. Comida apodrecendo na bancada americana, na pia, no chão, no lixo.  Eu sei que para mim é o fim da linha. É o mesmo fim que eu previra para o pós-universidade.  O que existe é o pós-decepções; o pós-pré-pandemia; o pós-verdade.  Nada mais vale a pena. E não há nada pelo que ser dito. Não há nada. 

Re-seleção social

Há quem diga que ficar em casa é ruim. E a maioria que fala isso está nas classes econômicas c,d, e e são muito suscetíveis à influência da mídia sensacionalista. São pessoas que têm dificuldade em reconhecer um livro ou não sabem exatamente o que fazer com ele quando tem um na mão. Desesperam-se por nada e escondem seus problemas reais com fanatismos e achismos temperados com lives, como virou moda entre os cantores populares do Brasil. O povo, os pobres que creem-se ricos e os miseráveis que creem-se classe média, estão apalermados entre declarações desconexas de um Presidente sem noção de tempo e espaço e os comentários dos novos biomédicos que surgiram com a pandemia e que são formados nas faculdades de redes sociais. O que atemoriza essas pessoas não é o medo de infecção pelo novo coronavírus. É a realidade exigir cada vão detalhe que faz de vidas insignificantes a rotina do trabalho servil. Casamentos falidos que se sustentam pelo distanciamento, viciados que não podem esco...

Temores

Quantas batalhas fracassadas você venceu? Quantas guerras inúteis precisou batalhar? Quantas foram as tentativas vãs de expressar uma alegria artificial? Quantos de si precisou ser para sobreviver a injustiças, a amores ingratos, a palavras soltas? Quantas interrogações sem respostas? Quantas cartas de despedidas? Quantas tentativas de suicídio? Quantos cortes na pele? Quantas lacerações no espírito? Quantas igrejas? Quanto  fé perdida? Quantas crenças efêmeras? Quanta opressão? Quantos inimigos? Quantos amores eternos? Quanta consideração? Quanta fome? Quanta vergonha? Quanta humilhação? Quanta inveja? Quanto barulho ignorado? Quanto de si foi ignorado? Quanto suor desperdiçado? Quantas traições? Quanto silêncio?

O que vejo na rua

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Arte: Cleopatra and the Peasant. Eugène Delacroix. MET. Às vezes, quando vou sair ou quando estou em minha mesa, paro por alguns instantes e olho a rua e os transeuntes. Vejo a mulher que empurra um carrinho de mão cheio de material reciclável com o rosto pingando de suor ao sol da tarde; vejo o drogado do fim da rua que busca uma porta esquecida entreaberta; vejo o morador da casa em frente que sai à rua com sua cadeira branca, sempre no mesmo horário; vejo os carroceiros esperando um serviço fortuito; vejo crianças brincando nas calçadas; vejo os fiéis indo aos seus templos cumprir com suas obrigações espirituais e seculares; vejo a mercearia da esquina que nunca tem gente. Parado, observando, vejo todas essas pessoas que dão vida a uma rua, a um bairro, sempre buscando, para lá e para cá, um sentido para as suas vidas e o dinheiro necessário para suprir as suas necessidades. Vejo em alguns uma tristeza transbordante que queima a pele e endurece o rosto. Vejo em outros um...

Winner de segunda

A segunda-feira palmeiríndia é marcada pela total e completa quietude que leva à depressão qualquer alma que precise de diversão, intrínseca ou extrínseca, e que seja necessário expressá-la em ambientes coletivos. Com raras exceções, bares, restaurantes e lanchonetes são fechados e não se pode nem comprar um sanduíche. Àqueles inconformados resta caminhar a esmo e garimpar as opções que surgem. Uma dessas opções de segunda, que se pode ouvir de longe é o novíssimo Winner, localizado na Vieira de Brito e sediado no antigo prédio da Bis Pizzaria. Com taxa de entrada, o Winner controla a entrada de clientes e permite um ambiente propício para a diversão e o passatempo. Aliás, o único lugar em que não há TV ligada na esdrúxula programação da TV aberta - quem só quer assistir TV pode muito bem ficar em casa.  Música ao vivo, um bom atendimento e uma localização segura - o Winner está aí para quem não suporta o mimimi dos "bares Nutella", onde se pode ser boêmio sem ser v...

Um tic de agonia

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Óleo sobre tela: The Potato Peeler. Van Gogh. O mundo dos espertinhos vê vantagem em errar no troco, em gritar e chorar para conseguir o que almeja e em ignorar quando outrem decide acabar de vez com o sofrimento mundano, ainda que crível diminuto pela arrogância dos grandes problemas. Esse mesmo mundo que prega a fé em um Jesus Cristo, cada seita reivindicando a verdade absoluta sobre essa divindade, ignora que irmãos precisam de carona para a adoração dominical e nega ajuda a quem precisa simplesmente por falta de publicidade. Entre um drama e outro, chafurdando em exigências religiosas e sociais, um a um vai caindo de uma ponte, ou ingerindo veneno ou cortando os pulsos sem que ninguém, por mais amor que declare, aos homens ou a deuses, tome a atitude de investigar mortes gratuitas de uma população agonizante.