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Mostrando postagens com o rótulo cotidiano

Quando fui à padaria

Fui à padaria da outra rua, quase no mesmo velho horário. Vi as mesmas pessoas que sequer imaginam as reviravoltas da minha vida. Vi as ruas ainda sendo calçadas e os mesmos desocupados na esquina.  Eu fui à padaria sozinho, nesse novo recomeço, nessa nova realidade. Vi, expostos na vitrine, a torta que eu sempre como, pastéis e coxinhas. Ah, coxinhas!  Ela amava aquelas coxinhas! Sua paixão por elas beirava a indecência e era divertido de se ver. Sua vontade e sua voracidade não tinha limites. Não tinha como não lembrar. Dessa vez, como será daqui para frente, eu deixei a coxinha lá, à espera de outra amante loucamente apaixonada. Levei minha torta e minha coca-cola.  Eu fui sozinho e lembrei memórias de um passado que ainda não se definiu bem. Fui por sua obra. Por sua obra... Agora estou sentado à porta, ensimesmado e indagando-me: será que as pragas do sangue finalmente me alcançaram?

Mocinha do Papai

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A filhinha agrestina do papai, de repente (para os pais), chegou em casa com o namoradinho e cumpriu todas as formalidades que ter um namorado, para a arcaica cultura do interior, requer. Apresentou as credenciais do rapaz, garantiu a boa procedência e jurou nada fazer que desabonasse o bom nome cristão da família. E, de fato, cumpriu tudo o que havia dito: namorava em ambientes de fácil circulação de pessoas da casa, de preferência durante o dia e com a presença, direta ou indireta dos pais na casa. Uma boa garota. Mas o demônio atenta e a jovem ninfa sabia que, em casa, sob seu domínio, podia pegar e dar-se sempre e da forma mais conveniente; e gozando de boa reputação em casa, ninguém diria...que enquanto respondia as indagações mais banais do familiares tinha em suas mãos o órgão fálico de boa procedência e no mamilo a língua credenciada do rapaz. Entre as pernas, com muita regularidade, as mãos santas do namoradinho a fazia sua prece diária ao prazer rápido e a um gozo ...

Na medida certa

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Arte: Eugène Delacroix. Met. Somos nós maiores que as circunstâncias ou são estas majestades de um cotidiano escrito por mãos sagradas e ausentes? Há quem sempre diga que somos resilientes, resistentes e pacientes e que, graças a essas e tantas outras características, somos maiores que as circunstâncias, problemas e estados degradantes. O que não dizem que é somos realmente maiores que isso, porém sobreviveremos a elas com farrapos sobre o corpo, cicatrizes marcando cada membro e uma infinidade de outras avarias que nos permite sobreviver, apenas. E recomeçar tão-logo superemos nossas próprias, internas e psicológicas, feridas. No curto prazo, as circunstâncias são maiores que nós. No longo prazo, se respirarmos ainda, nós somos os vencedores de uma batalha que já nasce com a chancela de sangrenta, violenta e mortalmente destrutiva. No fundo, somos do tamanho certo. Nem mais heróis, nem menos facínoras. Invenções que melhoram nossas vidas e que nós melhoramos a partir d...

O que vejo na rua

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Arte: Cleopatra and the Peasant. Eugène Delacroix. MET. Às vezes, quando vou sair ou quando estou em minha mesa, paro por alguns instantes e olho a rua e os transeuntes. Vejo a mulher que empurra um carrinho de mão cheio de material reciclável com o rosto pingando de suor ao sol da tarde; vejo o drogado do fim da rua que busca uma porta esquecida entreaberta; vejo o morador da casa em frente que sai à rua com sua cadeira branca, sempre no mesmo horário; vejo os carroceiros esperando um serviço fortuito; vejo crianças brincando nas calçadas; vejo os fiéis indo aos seus templos cumprir com suas obrigações espirituais e seculares; vejo a mercearia da esquina que nunca tem gente. Parado, observando, vejo todas essas pessoas que dão vida a uma rua, a um bairro, sempre buscando, para lá e para cá, um sentido para as suas vidas e o dinheiro necessário para suprir as suas necessidades. Vejo em alguns uma tristeza transbordante que queima a pele e endurece o rosto. Vejo em outros um...

Pelas folhas de vidro

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Quadro: Note in Pink and  Brown. James McNeill Whistler. 1880. O vizinho do outro, que aparentemente beija rapazes, não quis fazer uma de suas periódicas festinhas. O do andar de baixo não quis ter mais uma sessão de sexo selvagem, como no meio da semana e as fofoqueiras habituais do salão de beleza já foram. O apartamento de frente não está com a TV de 105'' ligada nos programas chatos da Record ou do SBT. As luzes de um novo dia já já começaram a rasgar o dia. Um dia novo com hábitos antigos. O Tédio, senhor de muitas horas, está na sala assistindo ao Corujão, com aquela expressão aborrecida no rosto. Ao seu lado o Ócio cansou de papo furado e deseja pôr-se em movimento. Mas como? Não acha saída.  Olhando-os assim, de frente, sem pretensões, é fácil entender as razões dos homicidas; o sentimentalismo dos velhos; o desespero dos jovens; a vontade de morrer dos vivos e as saudades de quem não possui mais poder para realizar pequenas proezas do dia a dia. E...

Vai rasgando o dia

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Se você é talhado para acordar cedo, por volta da zero hora, e vir o sol nascer, pode não se abalar com uma fotografia de plutão pela New Horizons, com buscas em residências de políticos, com a fuga de um chefão do crime mexicano ou com  a programação vergonhosa da TV aberta.  E não se preocupa com essas dadas "futilidades" por que cada amanhecer traz muitas possibilidades e desafios. E apesar dessa filosofia, cada amanhecer carregar a tristeza e a melancolia de mais um dia. É pelo amanhecer que se percebe o quanto o lugar em que se habita é medíocre, ou não; o quanto cresceu ou encolheu frente os desafios até então enfrentados; o quanto a felicidade está perto ou apenas imaginária. E tudo isso pode ser percebido olhando o céu em uma aurora. Com telhados cheios de antenas, sob uma noite rascante, quente, nostálgica(às vezes), o dia vai nascendo e é preciso coragem, muito empenho, para não surtar.  Mas se você é daqueles que se entregam à vulgaridade de um sono...

Esquecimento esquecido

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Quem nunca disse não vou esquecer e esquecendo-se do que disse, esqueceu? Dizem que nunca vai esquecer aquela ou essa pessoa, aquele ou esse acontecimento, esse ou aquele bichinho de estimação e acabam esquecendo tudo e todos que disseram um dia que não esqueceriam. Talvez seja por ter esquecido que disse que não esqueceria, ou por força de vontade muito tempo trabalhada, que os elementos inesquecíveis tornaram-se esquecidos. Tornaram-se renegados a um canto empoeirado de coisas inúteis que serviram em um passado, próximo ou distante, e que agora, no presente, futuro desse passado, não têm mais lugar para nenhum deles. As pessoas esquecem facilmente do que foi bom e que, por que foi bom causa dor no presente, gerou o inesquecível. Todos gostam do momento e do caminho eterno que as coisas boas causam, mas rejeitam todas as lembranças boas que delas originam-se apenas porque não sabem lidar ou com a dor da perda ou com a infinitude de risos e nostalgia que elas geram, nesse pr...

Reflexão da madrugada

O que acontece quando o que era para “sempre” tornou- se passageiro, flutuante entre a emoção que surgiu entre o dia ocioso que corria na maré da mansidão da espera que algo aconteça e a razão entre as partidas e despedidas, inúmeras, de todos os dias? O que acontece quando se olha dentro de uma pessoa, passando pela retina e entrando no corpo, através do cérebro, por meios dos impulsos elétricos que formulam imagens? O que acontece quando é mais fácil dizer “talvez”? É fácil passar pelos mesmos caminhos sempre olhando as mesmas paisagens, ouvir as mesmas músicas, ler os mesmos outdoors, estar sempre alinhado com a pequenez do cotidiano(sim, o cotidiano é pequeno, pois ele é incapaz de perceber as mudanças em outras pessoas, o acúmulo de poeira entre as cartas – de amor ou não -, a nitidez da clara luz que ilumina a feiura do rosto inchado no acordar útil para uma vida que agride a própria essência ao efetuar seus desígnios estranhos e, em alguns casos, mortíferos.) sem notar a...

Empalidecimento das cores

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Ponte Joel Silveira, Aju- SE.  Foto: Tito Garcez É tarde! Quantas vezes proferimos essa expressão? De tão pesada, essas seis letras formam o que se poderia dizer de um fim imediato, onde um novo começo iniciara em algum dado momento, na surdina. É tão definitiva que sequer supomos seu real sentido nas consequências que se pode ter ao pronunciá-las para si ou para outrem. No entanto, é facilmente perceptível detectar o momento em que essa expressão é a única articulação capaz de traduzir um colosso de pensamentos em uma fração mínima de tempo. É pesada. É definitiva. É auto-explicatica. Mas é fundamental e libertadora.   Existem diversos é tarde : É tarde para voltar; É tarde para ligar; É tarde para querer; É tarde para pedir desculpas; É tarde para tentar reparar; É tarde para se arrepender; É tarde para ganhar; É tarde para perder; É tarde para refazer; É tarde... Quando aceita-se que é tarde, respira-se melhor, dorme-se melhor, co...

Vida metropolitana

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Aracaju-SE A vida em uma região metropolitana é completamente desafiadora quando se tem a consciência de quê irá morrer, mas que esse é um evento que poderá muito. E é desafiador pela simples razão de que se tem uma gama extremamente diversificada de programas culturais à disposição, todos os dias, frente às opções de um futuro, cujo término já é conhecido, e que fazem com que a vida seja traduzida em simplórios números e linhas quentes de asfalto. Falta à sede metropolitana a tranquilidade de um bucolismo bem vivido, mesmo que a qualidade de vida seja alta; falta a desimportância do urgente; faltam as paixões de festas sem luxo; faltam lendas campestres mescladas com as urbanas; falta a dificuldade de manter a elegância, mesmo quando não se pode ser charmoso; falta o espírito do movimento espontâneo de pesos, pessoas e situações. Por outro lado, possui os recursos da agitação e da demasiada aglomeração de gente. Não seria exagero mencionar que os amores de uma metrópole ...

Mal jeito: do jeito que as coisas são

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Um dia resolvi fazer um pacote de decisões das quais, minha inflexibilidade e meu orgulho me impediriam de quebrá-lo. Mas outro dia, sempre repensando cada decisão e mantendo aquelas que realmente teriam sentido, cheguei ao pacote final,  onde as principais foi fazer com que, mesmo vendo fingisse não ver. Ainda hoje hesito, penso mesmo antes de voltar e fazer aquilo que disse que não faria. Mas, desafio-me a testar-me. Assim, hoje, depois de uma longa noite, abro meu Blogger e vejo, não sei quanto tempo já faz, uma postagem da qual, hesitantemente, abri e li. E, lendo, sem nenhuma prerrogativa como outrora, gostei do texto, não por que ele tenha algo que mudará qualquer curso da história da humanidade, mas que, no ínterim daquilo que considero bom e sempre vivo no cotidiano de todos os viventes, existe o que é bom por natureza de concepção. E lendo, ironicamente, processo a informação de que meu blog tem o título de Crônicas!, porém raramente escrevo uma verdadeira...