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Mostrando postagens com o rótulo Madrugada

O amor na madrugada

Todas as noites são existências de um sofrimento inominável que sai de você para mim sempre que seu sorriso quebra a geleira da minha alma. Assim como o calor derrete o gelo da garrafa ao lado do nosso sofá, displicentemente esquecido no começo de nossos devaneios de uma noite quente, o seu sofrimento de uma entrega intensa, duvidosa, é a prova de um grande amor conservado a temperaturas oscilantemente trabalhadas em nossos corpos. Meu grande amor cabe em uma minúscula artéria que imiscui-se a tecidos e vasos e quase se rompe sempre que o seu cheiro faz-se presente ao meu alcance limitado. Meu grande amor pode ser visto em poesias mal feitas escritas em guardanapos roubados das mesas vizinhas, em bares, restaurantes, lanchonetes, lugares comuns. Meu grande amor é triste pelo fim que imagina para si, entre soluços e lágrimas que não se contém no sofrimento mudo de palavras não ditas. É triste pela vida que acontece e que pode, repentinamente, acabar com uma pequena palavra dita. D...

Pequeno adendo da madrugada

É normal deixar de ser e reinventar tudo o que se construiu até agora. Sua vida é apenas um detalhe no qual o mundo faz parte, com atuação alheia muito pequena. Mas a sacanagem da vida não é ser normal, igual a de todo mundo. Não mesmo. A grande sacada é a reinvenção do proibido e do permitido sob a óptica do que é velho e não mais usado. O saque que é feito só dirá respeito, no máximo, a uma só criatura: você. Nessas sacanagens do bem, se é que existe, é válido tudo e qualquer coisa, até mesmo o uso de maconha e a prática do sexo no ambiente universitário, uma vez que tudo é “tão normal”. Tudo é tão permitido. Tudo é tão mais tão que seria impossível apontar o dedo para alguém certo ou errado. Não é normal ser analfabeticamente vulgar ao ponto de confundir realidade com ficção, realidade com infecção e útero com ponto inicial. Pois, ora!, ainda que a realidade e a ficção dependam mutuamente para tornar problemas mais leves e produzir verdadeiras obras de arte, é inadmiss...

Agora, enquanto dorme o sono

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Por que você dorme durante a madrugada? Se é de insônia que se compõe meus pensamentos e de multiplicações que não se fazem, dos nossos dizeres tão sem sentido! Por que tem que ir embora? Se é de chegada que é feita a nossa estadia! Por que complica tanto o incomplicável? Se é de simplicidade que é feito o nosso estável querer, nossa sólida mentira, nosso quadro em preto e branco! Por quê? Certamente existe afirmação que guie a madrugada e discorde o português, que destoe entre duas notas musicais de partituras diferentes e que, entre o sal do mar e a praia, exista um disco voador esperando por uma nova abordagem afirmativa.  Afirmação que muda a cada madrugada e a cada estação, cuja constelação sempre mostra uma nova estrela de superstição. E, então, por quê? Por que é tão distante o outro lado da cama? Por que é tão perto o outro lado do planeta? Por que é tão interessante a janela aberta e o coração fechado? Por que é tão mau olh...

O Ninguém

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Ninguém verá os meus sonhos nem todas aquelas necessidades que surgem quando a luz apaga, a febre ataca, a chuva cai e todos dormem. Ninguém ouvirá as necessidades que saem de debaixo da cama quando a bateria descarrega e a mente passa a funcionar obstinadamente para alcançar um único ponto no passado. Ninguém manda mensagens no meio da madrugada, depois de anos-luz separados por um silêncio provocado pelas mais ousadas expressões. Ninguém manda beijos via fibra óptica, que levam dados pelo mundo. De repente, Ninguém ganha um nome, um rosto e um baú de recordação e motivos para permanecer na obscuridade da saudade, do anonimato que faz tanto bem à sanidade de um estado que só floresce na madrugada. Então, não de repente, não sem as amenidades que rugem na memória dentro do tal baú, a noite deixa de ser fria, esquecida e isolada, e passa para seu estado de constante metamorfose em que a distância e o tempo são elementos que só existem na pequenez de um cronograma rigidamente seguid...

Ainda é possível

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Às vezes, é possível que exista uma letra de música que martela na cabeça durante a noite, ou um poema que surge com rosto definido. É possível que apareça olhos sorridentes entre vírgulas e pontos, letras e rimas, acordes e melodias. É possível que esteja partido o sentido íntimo que faz surgir tais coisas, sem restar nada além de pedaços, folhas rasgadas, cores desbotadas. E esse é um estado em que ocorre o verdadeiro autoconhecimento, aquele que faz você não chorar por mágoas passadas, mas entende-las e cuidar das suas próprias feridas como um animal inocentemente agredido por facínoras. É nesse estado que ódios oriundos de amores são extintos, que a poesia deixa de ser melancólica e o ar mais leve. Nesse espaço em que só cabe um, você mesmo, o mundo começa a sua longa e demorada reconstrução, mais experiente, mais vivo, mais limpo. E quando a face há muito conhecido atravessa o tempo e ultrapassa seu querer, surge uma nova arte: a de gostar sem a passionalidade do amor-ódio de...

Um ex-amor, uma madrugada

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Outra madrugada, caminhando sob o olhar nu de uma índia, entre um açude e um labirinto de casas, fui colocado no desenlace entre um arlequim e uma colombina. Tão feia foi a cena que era preferível que não tivesse visto. Aliás, coisa natural da cidade do amor, é encontrar, sempre após uma festa pública, namorados públicos que se desentendem e vão, senão aos fins de fato, pelo menos à beira de um afogamento no açude municipal, que depois fica estigmatizado como um lugar só de suicídios – pobre açude! A colombina, em posse do discurso decorado e repassado milhares de vezes, quem sabe naquela noite mesmo, tentava colocar sob uma ótica simples e banal o fim de um relacionamento que “já não dava mais certo”, sem razões aparentes ou justificáveis para o arlequim, que não se desprendia do hábito de um relacionamento estagnado na monotonia de um amor à Palmeira. E lá, nos breves momentos que antecedem aquele crucial momento em que um vai embora e o outro fica para trás, em revolta d...

A longa vida

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Acordar precisa ser um exercício de satisfação. Para ser uma satisfação é preciso que se tenha a preguiça de querer acordar e, ao fazê-lo, sentir o ar gelada da madrugada invadindo os pulmões, deixando para trás o rastro de uma pequena dor gelada pelo nariz. Acordar não pode ser só abrir os olhos e fazer, mecanicamente, os mesmos movimentos, ter os mesmos pensamentos. É algo que tem que retirá-lo da monotonia de um sonho, ou simplesmente da escuridão do sono profundo e o jogue-o para toda a vida que pode ainda estar dormindo quando seu maior instrumento despertar. Por que não acordar na madrugada? Por que dormir rotineiramente no mesmo horário, perdendo tudo o que o silêncio e o verdadeiro início da manhã tem para oferecer? Acorde! Olhe para a vida e diga-lhe sobre tudo o que se passa, sem perder nenhum detalhe. Desligue tudo e caia em si, com o ar frio do começo de mais um dia? Não. Assim como cada noite, os dias não podem ser mais um. Mas o dia em que tudo dará cer...