Irrepresável

Alguns enfrentam enxurradas que devastam suas casas, seus pertences, suas rotinas pobres e miseráveis. Outros enfrentam enxurradas de trabalhos, problemas e superficialidade. E alguns enfrentam enxurradas de si mesmo.
Qual seria a pior de todas?
Todas.
Para quem luta e segue o marketing capitalista, perder os eletrodomésticos é uma dor que só se supera com outras compras. Para quem faz da própria existência apenas trabalhos não pode esperar mais que desafios superficiais, que viciam. E enfrentar a si mesmo é só uma questão de necessidade.
Todas juntas, essas enxurradas devastam qualquer um. Mas para quem não tem bens materiais e sequer trabalho, a árdua tarefa de autorregeneração é intensa e exclusiva. De repente até dolorosa.
A água nunca para.
Nós nunca podemos parar.
Mas não há botes, salva-vidas, farol. Às vezes aparece alguém que nos ajuda a encontrar uma ilha flutuante e que nos deixa na tranquilidade de que tudo poderá ficar bem.  Então, como humanos e repetidores dos itans bíblicos, passamos a odiar e desprezar quem nos mostra a segurança, ainda que incerta e provisória, por meros e insignificantes defeitos, internos e externos. E como S. B diz, tudo fica líquido, está líquido, em mais de um sentido.
Agora mesmo a rua está alagada e não para de escorrer água dos telhados.  Não para de escorrer água de dentro para fora. Água, nada a segura.


Foto: Rafael Rodrigo Marajá/Arquivo Pessoal.


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