Pós-cotidiano
Hoje minha vizinha resolveu cantar uma linda canção. Sua voz, assim como a minha, não foi talhada para o canto e mesmo assim lá estava ela, cantando e cantando sempre mais alto.
Lá fora, na rua, entre mortos e famintos, a música popular enche o vazio que existe nas tardes de pandemia e tenta traduzir o silêncio das consciências. Eu apenas ouço de um lado e de outro.
Ouço e tento não tomar os venenos que tentam me empurrar.
E tentam muito.
Porque chega um dia em que dirão que você é insuficiente e que sua vida, seus feitos, suas tentativas não passam de incômodos. Farão você acreditar que merece o desprezo, a mentira, a infidelidade e a covardia. Imputarão a você erros alheios, deficiências de caráter desconexas da realidade.
Tentarão reduzi-lo a apenas satisfação sexual, impressões em redes sociais e vãs ilusões.
Mas é preciso que você entenda que o mau-caratismo não é culpa sua. Que seu código de ética e de moral não estão equivocados se não prefere a autodestruição. Você precisa entender que os ferimentos que causarão deixarão marcas e serão experiências a serem levadas a sério.
E tudo isso vai passar, como diz aquela música de Chico Buarque.
E a música também precisará sair da sua voz, ainda que imperfeita.
A música diz muito e ainda há de curar tudo, até mesmo feridas graves e injustas.
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