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Mostrando postagens com o rótulo Chronicle

A visita da morte em Umbaúba

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A vida, sempre efêmera, não pode ser vivida com dignidade e, no curso natural dos eventos, não há morte com dignidade, por mais que tentemos nos enganar. Essa morta, insidiosa, está sempre pronta para levar os vivos em cada vão momento. Sorte de quem pode escolher como e quando morrer; quem não pode, por outro lado, acaba sendo vítima dos caprichos dessa dama invisível. Ontem mesmo, em Umbaúba, aquela cidade em que a Polícia Rodoviária Federal torturou e matou um brasileiro negro à luz do dia como prática de perpetuação do racismo e da divisão de classes, foi palco de um desses caprichos.  Vindo de direções opostas, na pressa de um sábado atribulado, duas motocicletas colidiram levando um condutor, cigano, a óbito. O outro condutor, tentando viver, foi assassinado pelos parentes do já extinto motocondutor como forma de retaliação. Ciganos, os assassinos, foi o que disseram e, pelo que corre nos grupos de aplicativos de mensagens instantâneas, é que esses ciganos já possuem certo do...

Trabalhador Brasileiro VII

 Nós, trabalhadores brasileiros, não queremos muito. Por vezes, inconscientemente, almejamos as migalhas do nosso superior hierárquico, mesmo que esse superior seja tão pobre quanto nós. Migalhas que nos torna mais gente - pessoas dignas, ao menos, de pena.  Aceitamos a degradação porque nos disseram que isso era obrigatório para ter um contrato assinado. E para fazer jus a tal degradação, seguimos sendo atropelados por ônibus urbanos em horário comercial. E, mesmo estirados no asfalto quente com a vida se esvaindo em galopantes momentos de perda de sangue, há sempre um chefe perguntando se dá para ir trabalhar por mais um dia.  Mal alimentados, mal vestidos, inseguros e abusados, nós ainda esperamos as migalhas que nos farão pensar que tudo vale a pena. Precisamos disso para suportar mais um dia, por mais um dia apenas. 

Numerografados

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  Arte: "Trotting Cracks" at the Forge, Currier & Ives. Met. Somos números. Documentos pessoas nos tornam frios algarismos. O sistema de educação e de saúde nos torna índices - meros números que são passíveis de interpretação. O mercado financeiro nos transforma em cifrões que devem ser empilhados para demonstrar o quão rico e importante é um certo indivíduo ou organização. No fim, nada mais que números.  Entre um sistema de classificação e interpretação e outro, comemos, sorrimos, choramos, enterramos outros números, parimos outros tantos e fazemos a máquina movimentar as telas concretas de um mundo apenas abstrato. Sendo números, embora com sangue esquentado pelo calor dos trópicos, é dito inadmissível que queiramos mais, nem é muito, apenas um pouco mais.  A recusa em ser apenas máquinas que sangram nos faz cair no desprezo dos donos do capital. E é somente essa recusa que nos mantém vivos, apesar de toda a estrutura de escravização moderna que nos mantém...

O lado certo para o bezerro de barro pintado de amarelo

 6h49 da manhã. As portas da IURD já estão abertas com obreiros recebendo as ignorantes ovelhas com um recipiente nas mãos para o ritual vazio da manhã de domingo. As ovelhas, pobres, ignorantes, desesperadas, chegam de todos os lados para sustentar a vaidade dos pastores e idolatrar um bezerro de barro pintado de amarelo que chamam de deus.  Um deus que apresenta uma masculinidade frágil, tóxica, violenta e opressora. Esse mesmo deus que visita os ricos em seus leitos enfermos, mas ignora e despreza os pobres nas filas dos hospitais públicos. Para o rico, esse falso e inexistente deus acolhe, aconchega e visita em sonhos, garantindo a cura, os milagres e a assistência irrestrita. Para o pobre, mesmo que este dê-lhe tudo o que possui e que nunca é suficiente, esse deus os esquece e os oprimi transferindo-lhes as enfermidades que retira dos ricos. Um deus com a cara dos servos - quem paga mais consegue a cura, a paz, o lugar reservado em um pseudo paraíso.  Essas ovelhas, ...

Breves linhas periféricas

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Arte: View of the Brenta, near Dolo, Giambattista Cimaroli. Met.  Na periferia, na praça esquecida pelo poder público, dois times concorrentes formados por moradores locais distraem transeuntes e os próprios jogadores dos acontecimentos tediosos que estão prestes a serem reiniciados pela rotina do trabalhador brasileiro . Os pontos comerciais começam a abrir e empregados do varejo, sentados à porta dos estabelecimentos esperam o tempo de humilhação regimentar que caracteriza a diferença entre patrões e empregados.  Nas ruas, sacolas de lixo esperam ser recolhidas e animais abandonados aguardam a cota de ração doada pelo pet shop local. A vida periférica parece ser a mesma, sempre: trabalhadores indo ao trabalho bem cedo, comerciantes humilhando os trabalhadores, velhos se preparando para o culto e ruas sujas. Observando de longe, é um local vulgar, sujo e que serve de depósito para pobres.  Nas regiões "nobres", as padarias são delicatéssen , os empregados não s...

Carta a um ausente XIX

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Arte: Portia, Sir John Everett Millais. Met.   Agora você não acredita, mas me parece que os seus esforços são insuficientes para ser o que pensou há alguns anos. É bem verdade que seu caminho acaba em mim quando se trata de pedir caminhos viáveis. E só.  Um dia, talvez quando estiver olhando o mar verde dessa cidade inquieta e malcheirosa, caia-lhe o pensamento na calçada e perceba que, até agora, muito pouca coisa tem importância e que, aquela você de outrora chora ainda em um quarto escuro com medo de ser reprovada por um círculo social ingrato e injusto. Olhando assim, de longe, parece que eu me perdi e não saiba muito bem o que estou fazendo de uma vida que caminha em direção ao Portão do Inferno, sempre olhando para o abismo real que suga almas sem esperanças. Talvez, de fora, tenha alguma razão. Afinal, a vida é para ser gasta.  É por isso que olho para você e percebo que a beleza que já vi sob o sol de agosto parece estar murchando com o peso de tantos p...

Crônica de uma vida insuficiente XXVIII

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Arte: Lion Sleeping, Antoine-Louis Barye. Met.   Mesmo tentando, olhando para a esquerda quando a paisagem da direita há dores imensas coletivas, não há como ignorar o tamanho do abandono em que vivemos.  Comemos o suficiente para não morrermos de fome e desempenhar essas atividades insalubres e com baixa remuneração. Não comemos, enchemos a barriga com plásticos, papelão, vidro, agrotóxico, venenos diversos. Pesados, saímos para sustentar o giro do capitalismo que nos nega o básico para sermos pessoas.  E, cansados, ao tentar dormir, não conseguimos porque nossa carência nos insufla a ir buscar aprovação em redes sociais, jogos de azar, ódio políticos e discórdias sociais, mesmo que, ao lado, roncando devido à gordura de uma alimentação ruim, haja uma pessoa que diz que nos apoia. Amores, perdidos pelo medo de não sermos nada além de pessoas, já não existem mais.  Aliás, será que chegamos mesmo a "amar" ou deliramos tentando não nos sentir sozinhos? Não, é...

Declaração vivificante

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 Foto Foto: Osiride statue of Senwosret I.Middle Kingdom. Met   Maria Bethânia canta  "Com todas as palavras Feitas pra humilhar Nos afagamos" E a madrugada, por mim, através de mim, sobre mim, escreveu uma petição digna de doutores advogados do tipo que não se formam mais em universidades, por obra e graça de redes sociais abstratas.  A cerveja segue gelada. O condicionador de ar segue tentando resistir ao ar quente da boca do inferno aberta no centro do Brasil. E eu sigo sendo o príncipe negro fruto de relações divinas de deuses negros, protegido por guardiões velhos e sábios. Caminhando no precipício de viver na borda de um mundo insone.  Eu sigo sendo um em uma multidão de iguais, tentando não ser igual, sobrevivendo ao absurdo de ser só mais um.  O futuro é a morte. E eu sou o incesto entre a morte e a vida. Eu sou a base, a coroa, o pó, o cume, o bandido, o herói, o Cão, o Deus.  E ninguém entende isso.  Elas passam, se benzem e se...

Os boçais transformadores do outro

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Arte: New York Daily News, William Michael Harnett, 1888. Met.    É engraçado. As pessoas entram na sua vida - e, às vezes, você só que instrumentalizar antigos dramas para revivê-los ou superá-los - com a arrogância de serem as únicas. A transformação que pretendem operar em você ou no seu estilo de vida é o objetivo da relação e serve apenas para mostrar que podem fazer - não que, necessariamente, seja o melhor.  Então, um dia qualquer, tudo degringola e você acaba sendo o que sempre foi, limpando não os cacos de si, mas a sujeira de ter se misturado com os porcos para saber como estes vivem. E segue a vida como se a estrada fosse um detalhe e o importante é não ter ou ver importância nas pequenezas dos relacionamentos e do pós-venda desses relacionamentos.  O tempo vai fluindo, você vai se limpando e os resíduos sólidos e líquidos são recolhidos pela limpeza pública. O tempo, sempre o tempo, julgando a todos e sendo impiedoso, para o bem e para o mal.  De rep...

Nada além do que virá

 Quando escrevi A presunção da importância refleti como somos tão pouco importantes em um mundo dinâmico composto por pessoas substituíveis e se reler Recado amistoso   poderá entender um pouco mais sobre as entrelinhas da instrumentalização do sexo.  Entre pernas que se abrem e bocam que bebem o gozo de desconhecidos de nomes populares estamos todos suscetíveis a sermos apenas instrumentos, corpos e números. Parece que isso já é tão aceito que na nova forma de fazer política quanto mais seguidores se tem mais apto a ser um candidato a cargo politico. A questão que ressurge, assim como acontece na seara da artes, é: quantidade de seguidores significa talento ou competência para ser artista ou político? Em breve poderemos ver, tal qual acontece no Pantanal, a queimada dos mais diversos campos sociais em um fogo causado pela ânsia de transformar redes sociais em instrumentos corriqueiros de poder.  Obviamente isso não dará certo como jamais deu certo importar hábitos ...

Novo humano primaveril

 É primavera no hemisfério sul e no centro geodésico da América do Sul nada se vê além de fumaça e de uma paisagem coalhada por prédios cinzentos de fumaça. Calor e fumaça. Sem sexo - já que ninguém aguenta montar sobre corpos sob o efeito de detritos e vegetação queimada nos pulmões -; e sem apetite - o calor não permite nada além de uma insana vontade de beber água ou uma bebida açucarada qualquer, o dia vai escorrendo, na lembrança de um suor que não existe em virtude da baixíssima umidade. Há emoções latentes que não se atrevem a ultrapassar a barreira do aceitável socialmente. Há homens que se amam. Há mulheres que se desejam. Há casais que não mais se tocam. Há corpos mimetizando pessoas.  A primavera começou. Sem poesia, sem expectativas, sem amenidades. Apenas começou porque deve, não por que escolheu. As músicas que apaixonavam e abriam essa estação retratam um tempo sem calor excessivo, sem falta de água, com flores e olhares singelos (se um dia houveram). Hoje a pri...

A sífilis católica

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 Não é de hoje que se conhece os efeitos do catolicismo na vida cotidiana do povo brasileiro. Por meio dessa poderosa arma de dominação empregada pelos colonizadores da imensa área terrestre que se conhece como Brasil, o povo foi obrigado a aceitar figuras ditas sacras como suas; o povo foi obrigado a comer ou a deixar de comer em função de dogmas e "festividades" católicas; o povo, que construía as edificações católicas, sequer podia - e, de certa forma, ainda acontece - entrar nos ambientes católicos.  Para o povo, criaram igrejas católicas distintas, sem muito requinte ou cuidado, apenas o suficiente para manter sob domínio um povo colonizado e expropriado de sua cultura, de sua terra, de sua identidade.  O sangue que banha as paredes dos templos e edifícios católicos criaram os pentecostais e os neopentecostais. E o povo seguiu sendo colonizado, acreditando na ficção de um único deus, seletivo, opressor e imaginário. Um deus que não se manifesta diante da mais absurda...

Carta a um ausente VIII

 Estamos em centros geodésicos diferentes, em fusos horários diferentes, em plásticas e descartáveis culturas. O calor de um lugar é a brisa fresca de outro e nada pode mudar o fato de que, em minúcias, a vida possui caminhos que de tão diferentes se tornam iguais.  "Estamos sós e nenhum de nós", como retrata aquela letra de música, sabe em quantos quilómetros haverá encontros e reencontros. Temos sido o que foi possível ser e nada parece ser o suficiente em uma sociedade em que nada basta, nada satisfaz, nada melhora o humor daqueles que estão decididos a não ter bom humor. É assim que se conclui que, sem exageros ou pausas dramáticas, jamais nos reencontraremos. Não somos mais os mesmos, nem mesmo nos poucos traços físicos que nos resta. Não teremos mais o minuto de silêncio olhando as ondas cessarem na areia, as inúteis ideias de possibilidades diante de uma meia parede, o clarão da agonia de estar e nunca ser o suficiente. Aqui onde o ar é insalubre e a água indisponível,...

Carta a um ausente VII

 Das liberdades que nos damos, que nos permitimos e que nos aprisionamos resta somente o estar liberto, jamais o ser liberto. É por isso que nos refugiamos em redes sociais digitais, esperando que olhares curiosos sejam o afago na solidão que nos devora. Agora temos exemplos decadentes, líderes mortos, ídolos cadentes. E não sabemos nada além do básico para sobreviver porque temos medo da imensidão da nossa finitude. No centro do continente, há fumaça, calor - um frio de vez em quando - e muita morte em forma de vida. Por aqui vejo pessoas que não sabem o quão condenadas estão e é bem provável que eu comece a me tornar podre por dentro, como eles, e, diferente do que tentei até agora, sadio apenas da mente. A comida aqui ainda não tem gosto - reluto a provar o que não pode ser provado devido a contaminações diversas. O ar, pela primeira vez em minha pouca existência, é tido como insalubre devido à sua total falta de qualidade. A vida parece ser só isto por aqui - uma sala de espera...

Meia vida de domingo

 Entre sombras que abrandam o calor do sol em um inverno incerto e risos sapatônicos no fim do corredor há aplicativos que nos roubam de nós, amortecendo as atribulações que nos auto infligimos; há pensamentos que se escondem entre escombros de sonhos; há fragmentos de uma pessoa próxima da esquizofrenia.  Acabamos por deixar que algoritmos nos digam o que comer, como viver, de que forma trabalhar. Permitimos que nos ditem os passos da felicidade que, assim como o corpo perfeito, jamais atingiremos sem uma imensa equipe de marketing.  E seguimos sendo imperfeitos, moles, redondos, com o cabelo mal cortado, com a comida menos fotografável, adjetivando redes sociais e nos sujeitando ao segundo plano de histórias próprias e pessoais.  A igreja neopentecostal já terminou os trabalhos de lavagem mental dos pobres que a frequenta todo domingo de manhã. Agora os velhos e os animais podem sentar do outro lado da rua sem o incômodo de um deus ficcional a olhar-lhes por meio d...

Condomínios sempre são favelas

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Obra: 1886. Perkins Harnly. Metmuseum.  Prédios, por mais sofisticados que possam parecer, é apenas uma releitura dos barracos de papelão e sucata que outrora fizeram os morros ocupados indevidamente serem chamados de favela. Se nos barracos de tijolos, papelão e sucata que vemos nas periferias de grandes metrópoles não há privacidade, dignidade e vida digna não é em sofisticados barracos que esses critérios de sobrevivência são encontrados.  É bem verdade que quanto mais você gastar em um barraco sofisticado, comumente chamado de apartamento, mais terá um distanciamento do seu vizinho da frente, de cima e de baixo e poderá viver em um submundo psicodélico em que quanto mais alto for o seu barraco mais "rico" será entre os seus pares. Doces ilusões criadas pelas imobiliárias e incorporadoras para justificar o empilhamento de seres humanos a preços altíssimos e com pouquíssima liquidez do dito imóvel. Nas favelas os vizinhos se conhecem, sabem o que acontece nas imediações...

O ódio da mulher ressentida

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  Fonte:  Portrait of a Woman. Netherlandish Painter (ca. 1540–50). Metmuseum Há um ódio cultivado nos espaços físicos e virtuais que é sentido e muito pouco comentado. Trata-se do ódio feminino contra outras mulheres e contra toda a comunidade LGBTQIAPN+. Um ódio tão escancarado que deixa o observador menos atento horrorizado com tamanha ousadia odienta.  Protegidas por discursos construídos para protegê-las mesmo diante das mais absurdas barbaridades que cometam, as mulheres começam a se tornar opressoras, à semelhança do seu opressor do passado. Não aceitam as escolhas dos homens em assumir sua identidade de gênero e as suas preferências sexuais; não aceitam a independência de outras mulheres, a despeito da idade, da aparência e/ou da profissão; não aceitam não serem mais as escolhidas para a convivência por conveniência social. Os homens, mais livres do machismo perpetuado pela mulher no processo de construção da identidade social, aceitam, falam e agem como...

Anestésico musical

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Warrior and Attendants. Séc. 16-17. Metmuseum.   O plano de destruir a cultura popular, não exclusiva apenas dos governos de centro e extrema direita, parece estar seguindo o caminho do sucesso. Entre músicas fáceis de decorar e reproduzir e subcelebridades instrumentalizadas no desmonte institucionalizado, nos diversos níveis de governança, não há mais letristas que retratem a vida do pobre e a hipocrisia de uma sociedade doentemente religiosa, como se sabe em Construção e Geni e o Zepelim de Chico Buarque ou Faraó, eternizada na voz potente de Margareth Menezes.  Não querem que o pobre pense e reflita sobre si e suas condições de vida. Não é interessante para os políticos que se mantém no poder no planalto central ou nas casas de poder "popular" dos governos subnacionais. Não se ouve mais nada semelhante a 2 de junho, de Adriana Calcanhotto, Bichos Escrotos, dos Titãs, ou O tempo não para, do Cazuza, nos meios de comunicação e na boca do povo. Em meio a tragédias ambientais...

Entre camadas

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Foto: Queen Mother Pendant Mask: Iyoba. Met Museum Sob as várias camadas de padrões comportamentais exigidos no trabalho, na organização religiosa, nos círculos sociais físico e nos virtuais, quem é você? Quantas enfermidades, físicas e mentais, você desenvolve apenas por fingir, continuamente, ser quem não é? Seus preconceitos, suas vaidades, seus defeitos, suas idiossincrasias negativas, seu lado negativo, seus arremedos intelectuais, seu fascismo interior, seu nazismo cultural, sua cruzada pessoal em direção ao lugar seguro em que os horrores pensados podem ser verbalizados, sua projeção real distorcida e deformada é o que você é. Tudo isso é o que você é. Empurrar uma criança na rua que se joga ao chão fazendo birra, odiar os parentes velhos por toda uma vida de injúrias e opressões, orfanar-se de pais cruéis, detestar filho, desprezar animais, consumir como se não houvesse amanhã todos os bens úteis e inúteis possíveis, deixar-se viciar e ser viciado nos sexos, aduzir-se em pr...

A extinção do interessante

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Figura: Bronze statue of a man. ca. mid-2nd-1st century BCE. MET Museum As pessoas interessantes parecem ter desaparecido no mar de reações virtuais dos aplicativos de relacionamento. Tornaram-se extintas, ao que parece. E é esse movimento de extinção de pessoas interessantes o último bastião antes de nos tornarmos ignorantes social, política e estruturalmente. Viciadas em textos de, no máximo, dez caracteres e imagens explicitamente autoexplicativas, as pessoas são apenas números autômatos que reagem ao menor ruído. E sequer se dão conta disso. Não se vê mais paixões por obras literárias, músicas e letristas, leitura e releitura de pinturas, fotografias e filmes. O que se vê, produzido em linha e em um processo contínuo, é simplesmente a reprodução desproporcional e desconfigurada de produtos construídos para e com a artificialidade das máquinas.  E não que utilizar a máquina seja ruim. O próprio desenvolvimento humano requer novas ferramentas e novas formas de interagir...