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Mostrando postagens com o rótulo São Cristóvão

O vivente da barra da manhã

 Ultimamente o sol nasce entre dizeres e brisas à rua. Às vezes com a presença de desvalidos sob marquises e, em outras vezes, com o caminhar lento de felinos perscrutando os resíduos da noite comercial anterior. Hoje mesmo, quando a barra da manhã já apresentava os sinais de um colorido primaveril e escorpiano, uma criatura mal-humorada rompeu pela rua, chutando o lixo, xingando os animais vagabundos, omitindo-se a saudações. Uma criatura que deve ter se revoltado com a cena matinal, nada explícita, menos ainda implícita. Talvez a revolta seja por uma vida inteira de trabalhos humilhantes e de um cotidiano mecânico, quadrado, ditado pelas convenções sociais e religiosas. Faltando-lhe carnes sobre os ossos, sobrando-lhe amargor, quem nunca foi, um dia, como tal vivente? Um dia qualquer. Uma manhã nascente não costumeira.  Sem sexo, sem explícitos, faltando implícitos - um dia na viada vida periférica que se acomoda entre quereres e transtornos.

Dia de feira

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Photo: Alfred Thompson Gobert. Louis-Rémy Robert. The Met.    Eu vi o dia ir esfriando, amenizando o tormento de uma temperatura acoitadeira de pobres diabos que busca o pão de cada dia - nem sempre de forma digna.  Da minha mesa de bar eu vi o casal que envelheceu com  o costume de tomar uma cervejinha depois das compras na feira. Vi os bêbados que se escondem nas sombras sociais, sempre esperando uma fatia de vida não viciada, languidamente jogada por qualquer passante.  Vi velhos conhecidos. Vi o desespero por maiores vendas. Vi mais um dia que se consumia em rostos gastos, em rotinas cansativas. Vi a noite caindo sobre todos - sobre a minha cerveja e o meio jeito inexpressivo de observar. Vi-me em rostos diversos, vestindo roupas desobedientes à moda corrente, falando a outrem sobre preços e leves pornografias. Até que todos começaram a ir embora e o bar ir esvaziando.  Até que tudo mudou, como sempre muda. E a vida, mutante sempre, transformou-me no bo...

Pobrices de quarentena

A quarentena entre os pobres do Rosa Elze parece as festas de fim de ano, só que em Março e sem muita água celeste para encerrar o verão. Os meninos pobres ainda soltam pipas na rua e as meninas saem à noite para brincar - uns seguram objetos cilíndricos que os ligam a pipas, mesmo à noite, outras correm para colocar objetos igualmente cilíndricos na boca. Os pais? bêbados que dormitam o dia todo e quando a noite finalmente cai correm para dentro de casa para ou produzir outro pequeno demônio ou assistir às reprises de novelas. A rua fica aí, cheia de gente esperando que a pandemia seja trazida na carona dos traficantes. Uma varredura de doença que pretende acabar com os pobres, velhos e novos diabos, parece nunca chegar nas ruas mais periféricas dessa que, dizem, é a cidade mãe de Sergipe. Poeira, drogas, baixezas de todos os tipos  - nada de novo durante essa quarentena que parece estar longe do fim. ___________ Acesse e leia: Anjo da Guarda  (Amazon) ...

Crônica de uma vida insuficiente XXIV

 É meio-dia.  A vizinha da frente, como de hábito, está na porta, solitária, olhando uma rua que a ninguém interessa - seja pelo lixo, seja pela inexistência de algo interessante. Ela fica sentada à porta sempre que a cerveja acaba e os amigos de copo se vão.  Uma vida baseada em agradar para não ficar sozinha é inútil, triste e deprimente. O rosto está queimado pelos raios de um sol inclemente. Suas expressões, embrutecidas pelas ressacas e por sonhos não satisfeitos, derretem com o passar do dia. E mesmo a música, a carne assando na churrasqueira e a cerveja, nas várias vezes que promove  seu sadio divertimento não são capazes de alegrar, o coração e a alma, desse periférico cotidiano. Um dia ela vai morrer e o que terá para deixar como lembrança? O álcool, os amigos, as carnes digeridas - nada será seu epitáfio.  

Re-seleção social

Há quem diga que ficar em casa é ruim. E a maioria que fala isso está nas classes econômicas c,d, e e são muito suscetíveis à influência da mídia sensacionalista. São pessoas que têm dificuldade em reconhecer um livro ou não sabem exatamente o que fazer com ele quando tem um na mão. Desesperam-se por nada e escondem seus problemas reais com fanatismos e achismos temperados com lives, como virou moda entre os cantores populares do Brasil. O povo, os pobres que creem-se ricos e os miseráveis que creem-se classe média, estão apalermados entre declarações desconexas de um Presidente sem noção de tempo e espaço e os comentários dos novos biomédicos que surgiram com a pandemia e que são formados nas faculdades de redes sociais. O que atemoriza essas pessoas não é o medo de infecção pelo novo coronavírus. É a realidade exigir cada vão detalhe que faz de vidas insignificantes a rotina do trabalho servil. Casamentos falidos que se sustentam pelo distanciamento, viciados que não podem esco...

As bichas da encruza

Ali na encruzilhada, em uma das esquinas, três gays travestis estão batendo ponto. Nunca apareceram por essas bandas e com a quarentena é de se supor que a clientela tenha diminuído e como ali na esquina é ponto de venda de entorpecentes, capaz de não só se reabastecerem com a felicidade ilícita como ainda descolarem uma rasgada anal de algum cara ocioso (que não falta no referido ponto) e cioso de sua necessidade carnal de um buraco qualquer. Tem um magro com roupas banais, um com cabelos longos com luzes com roupa tendendo ao vulgar e outro igualmente ordinário e sem nenhuma expressividade. Lá, na sagrada encruzilhada, virou ponto de bicha puta, não bastando toda a droga que escorre. E dizem que farão jejum para salvar o Brasil do novo coronavírus. Pelo que se vê nessas áreas periféricas, pobres, amundiçadas é que o Brasil não precisa de livramento de vírus nenhum - precisa é de uma banho de civilidade política, social, histórica e econômica. ___________ Acesse e le...

O coronavírus no Rosa Elze

Em dias de quarentena o pior que se pode fazer é sair às ruas e ter contato humano - não pelo vírus, pela baixeza das expressões humanas populares. No país Rosa Elze, o coronavírus está em outro patamar - naquele em que a maior preocupação é pagar as contas mesmo e tentar sobreviver, como ocorria antes da pandemia. Na loja do GBarbosa do Eduardo Gomes apenas 50 criaturas podem estar dentro da loja. Tudo bem, é medida preventiva. O problema está na porta, com a atendente de máscara apoiada no queixo e luvas que em tudo pega e que é usada para coçar olhos, nariz e pele do rosto. Da porta para fora, a fila se agiganta e a distância mínima não é respeita porque ninguém quer ficar ao sol ou mais distante da porta que dá acesso ao paraíso do bairro. A agente de saúde, parada no meio da rua e gritando, entre críticas ao governo estadual e federal , tenta fazer com que as pessoas tenham consciência, principalmente os idosos que estão beirando a senilidade, constatada a cada palavra por...

O raiar cotidiano

O verão é engraçado e, até certo ponto, estranho. Enquanto que em Londres existe o cotidiano de o sol estar presente até as 19h, abaixo do equador o sol fica, no máximo, até as 18h20, no verão apenas. O sol começa a nascer um pouco mais cedo também e às 6h já existe um quê de dia alto.  Há manhãs que começam frias, depois de uma madrugada fresca, cujo prenúncio não é o de nada menos que um dia de sol a pino, inclemente, escaldante. Um tipo de sol que somente os pobres e trabalhadores a céu aberto e os usuários de transporte coletivo podem classificar de infernal, se o este for mesmo quente. À seis horas, com uma brisa fria e os raios solares inclinadamente presentes na rua e nas paredes de casas inacabadas, a rua Mabel de Assis Santos ainda dorme. O homem da esquina, idosamente caduco e com má fama, ainda não ligou o som do carro com os hits dos anos dourados. A mulher da casa em frente, exímia gastadeira da herança deixada pelo marido morto e paga pelo governo, ainda não a...

O muro da Senhora do Carmo

Os fiéis da Capela Nossa Senhora do Carmo, logo após a "faixa", bem pertinho do Sergipetec, nem sonham que suas contribuições financeiras, suas quermesses, sua devoção servem a fins ainda mais nobres quando a Capela está fechada e o breu da noite encobre essa terra tão quente nos dias ordinários. De frente para a porta de entrada, em certas noites quentes, mãos ainda mais sedentas percorrem o quadril da jovem mulata, acariciando suas coxas, apertando cada reentrância. Essa mesma mão que procura a porta do céu, como bem ressalta Luiz Caldas, provoca fricotes pelo corpo todo de uma inocente impúbere que mal sabe o mal que o falo ligado à essa mão pode provocar. Ela senta nas pernas magras do malandro e acomoda-se para abrir a boca de forma suficiente para deixar sair os diminutos e excitantes gemidos. Passos ritmados fazem a dança frenética momentaneamente hibernar para logo depois voltar com ainda mais força e sublime desespero. Em outras noites, em pé, apoiados ...

Break Resun

Reabertura do Resun. 12/08/2019.  A alegria da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Sergipe durou pouco. Ao som de uma orquestra sinfônica, o Restaurante Universitário  - Resun - retomou suas atividades já no fim do semestre letivo. Fotos e manifestações nas redes sociais chancelaram o fim de almoços em restaurantes com preços abusivos - para aqueles que têm dinheiro. Isso, na segunda, 12 de agosto. Na terça, 13 de agosto, a Universidade divulga uma nota comunicando a suspensão das atividades do Resun.  Os motivos alegados pela empresa foram: "(...) a contratada já arca com alto custo de pré-funcionamento do Resun, como manutenção de equipamentos, aluguel de contêineres frigoríficos, fora todo o gosto comum à abertura de uma filial." (Ofício: 043/2019 – MAO, p. 2). "(...) esta empresa teve sua conta bancária bloqueada judicialmente por fato que nos é estranho. Ainda hoje tenta-se apurar a origem do bloqueio que é de total desconhecimen...

Janela vívida

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Arte: Street in Meknes. Eugène Delacroix. 1832. MET. Da minha janela, no nível do primeiro pavimento, componente elementar da calçada, eu vejo o mundo que se desenrola à margem da sociedade e que me criminaliza e vitimiza utilizando as vítimas que estão encarceradas em outras janelas gradeadas. Por ela eu vejo aquele que estaciona o carro na calçada com preguiça de alocar o bem na garagem; vejo o casal que se diz enamorada e o rapaz que paquera os transeuntes.  Da minha janela fechada eu ouço o homem que pede a carteira alheia, mas que não é assaltante (embora pareça). Ouço o carro do lixo. Ouço conversas entrecortadas que denotam uma vida limitada aos recursos que se pode obter, nem sempre de maneira honesta. Pela minha janela a vida escorre de dentro para fora e de fora para dentro como se o mundo físico fosse o último bastião entre a prisão e a liberdade pregada nas igrejas à direita e à esquerda desse buraco gradeado. Da minha janela eu vejo  lua, viajo, ouço,...

Compromisso comprometido

As linhas de transporte urbano em Aracaju andam de mal a pior e até aí não nenhuma novidade – nem mesmo com os protestos de 2013 o sistema melhorou e as tarifas cobradas seguiram o rumo do crescimento desenfreado sob qualquer justificativa. Os automóveis empregados continuam péssimos, principalmente aqueles que são destinados ao bairros mais pobres. O Rita Cacete/Rodoviária Nova, Pedreira/Zona Oeste, São Cristóvão/Zona Oeste são exemplos de veículos em péssimas condições de funcionamento. E não bastasse janelas com vidros folgados, bancos sujos e quebrados, portas que não fecham direito e um motor ensurdecedor, o serviço também não fica por baixo. E nem sempre o cobrador e o motorista são os responsáveis. No domingo, qualquer dia de domingo, o usuário poderá ficar sem o serviço ou deixar de fazer algo importante apenas por que o fluxo de ônibus chega a ser menos que o mínimo necessário para um serviço eficiente e de qualidade. Hoje mesmo, no início da manhã, diversos usuários tiv...

A UFS e seu problema com a água

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O Campus de São Cristóvão da UFS passou, e continua em outros setores, por um processo de reforma e adaptação das vias de acesso aos departamentos e didáticas. Uma obra que gerou um transtorno considerável e que tinha, por proposta, melhorar as vias. Melhorou, se considerarmos que o Campus vive no Saara onde só chove pouquíssimas vezes no ano e com pouca precipitação. A UFS  tem um problema com escoamento de água e que, parece, os setores responsáveis pelos projetos e execução de obras de infraestrutura não dão a devida importância para isso. As passarelas, que ligam os prédios, são verdadeiros corredores de enchente, à mínima chuva. As vias parecem piscinas, principalmente aquelas que acabaram de passar por um processo de revitalização. Bom, revitalização não deveria ser o nome... O impressionante é que mesmo o Reitor, Prof Ângelo Antoniolli, andando para lá e para cá, a pé, não se dá conta do serviço mal feito, principalmente se considerar que não há o saneamento básico...

Primeiros Parques

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A temporada dos parques de diversão está aberta e os mais diferentes tipos de parques já começaram a se instalar nas cidades. O tocante, constrangedor, é a divisão que os proprietários dos estabelecimentos móveis de diversão fazem quando decidem ir para essa ou aquela cidade. Para uma cidade, vai um parque totalmente sucateado, inseguro, alicerçado no improviso. Para outra, vai o irrepreensível empreendimento em que os preços podem ser altos, já que valerá a pena pagar o preço. As cidades já têm seu trânsito alterado e luzes complementando a noite, seja no interior ou na capital. Para exemplificar essa discrepância visível tem-se o primeiro parque de diversão que chegou a Palmeira dos Índios – AL. A imagem mostra tudo o que milhares de palavras é quase capaz de expressar. Na outra, Aracaju-SE, no estacionamento do Shopping Jardins, outro diferente e mais requintado parque expõe as primeiras luzes do Natal próximo. A imagem igualmente traduz. Para os consumidores resta o bom ...

Lá na UFS

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  Quem passeia pela Universidade Federal de Sergipe, em São Cristóvão, não imagina as histórias que surgem nos corredores e nas áreas abertas do câmpus. E existe de tudo: traições, amizades exacerbadas, tentativas de estupros, roubos, festas noturnas nem sempre tão seguras nem sempre tão animadas, aulas em lugares longínquos e filas. Também, se o ambiente acadêmico faz parte de uma pré-modelagem da vida profissional, no mundo-enorme-de-meu-Deus, não podia ser tão diferente assim. Ah, as peculiaridades da UFS. Temos a Fila do Resun (Restaurante Universitário), que não importa o quão a comida seja boa ou péssima, sempre lá estará. E não é só uma, precisamos fazer justiça à outra: a da compra do ticket , para aqueles não isentos. Aliás, nessa compra tem algo errado. Em um aviso afixado em vários lugares no hall do Resun é possível ler ‘para alunos de pós-graduação e servidores com nível superior’. Daí fiquei pensando: A administração não quer que os servidores em nível superior ...

As obras futuristas

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A Universidade Federal de Sergipe, sabidamente, está em processo de reforma nas mais diferentes áreas e nos mais longínquos lugares que compõe o câmpus de São Cristóvão. Esse processo reformista tem trazido vários transtornos aos discentes (e a alguns docentes também). Evidentemente, os benefícios virão e se estabelecerão para vários anos e outros milhares de alunos que se seguirão. No entanto, na atualidade da poeira, na lama, no esquisito, na falta de proteção de estudantes e obras, as aulas transcorrem na maior dificuldade, inclusive locomotiva. Improvisaram salas de aulas, no lugar mais longe do câmpus por falta de local mais distante. A identificação das salas de aulas nos Prédios das Didáticas é o que se pode chamar de irresponsável, pois foi colocada nas portas velhas, que provavelmente serão trocadas em um futuro próximo. Além disso, o atraso na entrega das obras não dificulta apenas a vida acadêmica da Universidade como prejudica também a imagem interna da Instituição ...

Passeio no jardim gritado

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Noite Abstrata Sair às ruas no Jardim Rosa Elze ainda é uma aventura inenarrável! Impressionante não só pela quantidade de novas edificações que surgem a cada dia - sempre mais diminutas e simplórias, caríssimas e feias -, mas pela quantidade de Igrejas, Casas de Oração e aglomerados que dizem que estão louvando o Senhor - às vezes pergunto-me: qual Senhor, especificamente? Não sem estranhismo, a gritaria que se desenvolve em determinadas noites é mais assustadora que a solidão das ruas - nem tão perigosas, às vezes - às 3h de uma manhã sempre quente e escura desse recorte de São Cristóvão. E é uma gritaria tão aterrorizadora que a única explicação para o pacifismo, diante da violência de outras regiões dentro do mesmo bairro, é o  medo dos facínoras ante ao muito e desrespeitoso louvor.  Com Igrejas e similiares demais para as primeiras ruas e para a quantidade de habitantes - na maioria flutuantes - do que se pode dizer do Rosa-Elze-Puro, é difícil imaginar se...