Passeio no jardim gritado




Noite Abstrata
Sair às ruas no Jardim Rosa Elze ainda é uma aventura inenarrável! Impressionante não só pela quantidade de novas edificações que surgem a cada dia - sempre mais diminutas e simplórias, caríssimas e feias -, mas pela quantidade de Igrejas, Casas de Oração e aglomerados que dizem que estão louvando o Senhor - às vezes pergunto-me: qual Senhor, especificamente?
Não sem estranhismo, a gritaria que se desenvolve em determinadas noites é mais assustadora que a solidão das ruas - nem tão perigosas, às vezes - às 3h de uma manhã sempre quente e escura desse recorte de São Cristóvão. E é uma gritaria tão aterrorizadora que a única explicação para o pacifismo, diante da violência de outras regiões dentro do mesmo bairro, é o  medo dos facínoras ante ao muito e desrespeitoso louvor. 
Com Igrejas e similiares demais para as primeiras ruas e para a quantidade de habitantes - na maioria flutuantes - do que se pode dizer do Rosa-Elze-Puro, é difícil imaginar se os nativos estão bem acostumados a essa rotina ou se se adaptaram ao medo de morrer em pecado. Na verdade, comparativamente ao diálogo fático que introduz a um assalto, o "Boa Noite, Irmão" é igualmente temeroso. Afinal de contas, nunca se sabe se o que vai será sua carteira ou seu bom senso - ou a noção do ridículo.
Entre gritos, falsas bondades e uma dúbia fé - já que nem tudo o que gritam realmente é praticado - a noite nesse Jardim não é das mais calmas, em alguns dias da semana. 
Não bastando isso, ainda há o calor (tão normal para o nordeste), os mosquitos, os possíveis assaltos, a agonia que fervilha a Universidade e a sensação de que nada do que é feito entre as ruas, com ou sem Igrejas e similares, é eterno. É de se perguntar se existirá, em alguma parte do chamado grande Jardim Rosa Elze, um lugar mais normal, ou sem tanta sede de capturar fiéis.
Mais uma manada de irmãos vai passando, mais uma noite ( de pressa universitária) vai passando no calor de uma salvação que ninguém sabe se é verdadeira para os padrões divinos, mas que escraviza bem a pobreza e o analfabetismo notórios de uma vida pós-mortal talvez nem tão distante.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Reunião de faces

Maníaco do Parque: entre o personagem e o homem

Nada além do que virá