A solidez de um monstro
É estranho.
A saudade é, de todos os
sentimentos que cultivamos, um monstro de inúmeros tentáculos que se agarra ao
nosso corpo e prende-nos ao mais trágico estado de vida, ao mais deprimente dos
sonhos: aquela fantasia do passado que pode renovar-se e voltar.
Isso é muito estranho!
Por outro lado, não sentir
saudade de nada é recompensador e trágico!
Quando sente saudade de algo
ou alguém isso significa que se teve bons momentos, ou não, e que, de algum
modo, algo ou alguém ficou incrustado em algum ponto entre a aorta e o musculoso
coração. De todos os lugares que alguém pode estar, esse é o pior pelo simples
fato de que daí não se pode extrair, ou tentar, sem grandes dores e muito suor.
E, no fim, nunca ninguém consegue. É recompensador apenas pela alegria um dia
vivida.
Mas é trágico para todos aqueles
que relembram. Rememorar é trágico sempre que ocorre o desterro de algo ou
alguém que não merece a lembrança.
E veja a estranheza disso: é
trágico lembrar por que nem tudo ou todos merecem alguns segundos
desperdiçados. Mas é recompensador vislumbrar a caminhada que se passou e por
quantas vezes subiu uma serra e caiu no mais profundo dos poços. Esses altos e
baixos, com algo ou alguém, é que torna a saudade uma arca de relíquias, mas
não a torna necessariamente um relicário.
É dessa estranheza imensa,
indissolúvel e absorvente que os demais sentimentos têm certa inveja.
Contrariamente à saudade, eles esmaecem depois de um tempo e de uma briga; ela,
sempre insistente, permanece até o fim dos tempos e de eternidade em
eternidade.
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