Sua superfície, sua profundidade

As pessoas têm medo de morrer, que em uma viagem de carro a curva seja muito estreita ou que em um dia normal a foice implacável do acaso ceife-lhe sua preciosa vida, mas não se abstém de moverem-se  entre o efeito do álcool e a insanidade da prevaricação com as criaturas mais estranhas que existe.
Outras têm medo de cair no abismo do esquecimento que faz com que a famosidade de um dia seja o marasmo de outro; que torna seres inseguros em espécimes indesejados nos meios sociais. Cair no abismo do esquecimento é destrutivo para quem já não tem segurança em sua normalidade, quanto mais para quem faltou a aula de valorização da vida independente de outra.
Os medos das pessoas chocam-se com as atitudes estranhas que assumem no cotidiano e que delimitam suas ações. Têm medo da morte, mas fazem ultrapassagens perigosas em trechos de rodovias perigosos; Têm medo de morrer sem uma vida intensa, mas amedrontam-se frente às oportunidades que brotam dentre as mais diferentes vontades alheias.  
No fundo, em algum lugar entre a pequenez natural do pensamento humano comum e a extrema vontade de serem reconhecidos e “amados”, os seres humanos – uma boa parte pelo menos – têm doces ilusões acerca das expectativas sobre os acontecimentos que transcorrem entre uma ilusão amorosa e uma naturalidade tranquila da ideia de morte. Nesse fundo sem poço, cada um tem seu pedaço de cova e seu cortejo garantido, sempre com uma coroa de flores sem graça cuja vida mais carregar a noção mortífera de um futuro no além.
Amar, amar, amar... bobagens que inventamos para justificar nossos medos, principalmente o de ficarmos a sós com nossa consciência. Artifício decadente que ampliamos para tornar uns fardos mais leves, o amor pode ser uma faca de dois gumes que fere alguém e mata-nos na mesma velocidade que provoca a benfeitoria. Raramente essa ferramenta é bem utilizada.
No outro ponto, ainda mais perto e mais extenuante, a vontade de aventurar-se em mares revoltosos, com um barco à vela e uma ideia, torna-nos seres poderosos, ainda que temerários. E, nas ondas que nos tentam derrubar, ansiamos por tempo, por uma solidão justa, por momentos pelos quais valeria a vida inteira de um romance de duzentas páginas. E apressamo-nos para alcançar medusas em ilhas inóspitas, para travar batalhas já iniciadas em outros lugares distantes, para ter a glória ingrata que em nada acrescenta no livro-diário de nossas vidas e que, apesar disso, insistimos em sermos a bandeira dos navios que está sempre presente na vitória – só esquecemos que a derrota também é acalentada pelas mesmas bandeiras.  
De volta à superfície, onde habitamos e onde estamos acostumados a trafegar sem grandes explicações, a morte nos espera no ponto certo, com a foice certa, em seus melhores trajes de festa. Nessa superficialidade, estamos imersos em sonhos, em delírios amorosos (ou vingativos), nos habituais medos que movem o mundo.
O mundo, seu – tão particular –, espera que você seja a bússola que garanta a paz e a tranquilidade que tanto gostamos quando chegamos de uma festa ou de um cortejo; espera que as rédeas da sua vida sejam tomadas por ninguém menos que você e que o caminho seja sempre em frente, na preparação das novidades do por vir. 

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