O monstro do ônibus

Estava lá, de pé, há vários minutos, esperando que alguém levantasse entre com licença e fosse à porta para, enfim, eu, na minha extrema bondade e paciência, sentasse em um lugar ao sol das doze horas, com inúmeras pessoas a debaterem-se pelos pouco 20 centímetros que ocupava. E, então, uma alma que reconheceu minha espera, puxou a cordinha, levantou entre milhares de com licença dito só para si e saiu porta a fora quando o ônibus finalmente parou em meio ao trânsito quase caótico do primeiro rush do dia. 
Lá, sentado na cadeira sempre imunda por onde várias bundas se esfregam diariamente, a minha paciência fazia carneirinhos surgirem do abismo insano que o calor e o cheiro nem tão agradável das pessoas abre nas cabeças que calculam quando aquilo apareceu. Aquilo certamente era uma mulher, com uma máscara de maquiagem que só poderia remeter-me às máscaras de tribos africanas ou algum outro tipo de acessório que possa cobrir o rosto, com milhares de gramas de pós e cores. Havia mais pó no rosto da criatura do que em uma cracolândia. Sem poder segurar minha grande surpresa - susto na verdade - meus olhos se fixaram naquele rosto estranho e sem vida, duro de tanta maquiagem. Fico perguntando-me se os inventores tinham essa intenção macabra: a de assustar pessoas indefesas em ônibus superlotados. Até certo ponto, a imagem é aterradora.
A paz, portanto, esvaiu-se da minha humilde contagem de carneirinhos. E, mais uma vez, estava analisando em quais pontos aquele bicho de Vênus desceria. E, de repente, um corpo gigantesco, quase vivo, moveu rapidamente na parada do ônibus e a criatura sumiu. Várias mãos e pés passaram até que aquilo tinha sumido. E eu, aterrorizado por ter que presenciar a evolução da espécie humana, estava a pensar que já havia visto mulheres que, de tão masculinizadas - cronicamente até -, não saberia, ou passaria muito tempo, para separá-la dos homens e alocá-las no incrível mundo feminino. E que apesar disso, ainda tinha esse novo tipo de indivíduo no mercado.
Entendi, então, de onde vem o exagero e da razão de existir uma porcentagem tão grande de mulheres solteiras. Até tirar toda aquela máscara, o homem já tem dormido e a mulher, exausta pelo trabalho nem sempre bem sucedido já que, de tanto aplicá-la, o adereço quase adere à epiderme como uma tatuagem de muito mau gosto.
Até que foi a minha de puxar a cordinha, atravessar a rua e tentar esquecer o monstro.

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