Dia desnecessário dos mortos
Shadows in like. Alfred Stieglitz. |
O dia dos mortos é uma invenção de quem gosta de sofrer desnecessariamente e que, por maioria e sob a convenção de que devemos saudar a memória de outrem, acaba sendo uma chateação aos menos sensíveis com os nem-tão-santos-mortos.
A mania de creditar aos mortos as características mais beatíficas que se possa imaginar torna os ossos enterrados, ou queimados, relíquias sagradas para que não conheceu pessoalmente a peste que outrora foi de carne e ossos. Uma mania feia e muito mentirosa - e olhe que mentir é pecado, se o que dizem for verdade.
Os mortos podem, igual aos vivos, serem separadas, classificados e etiquetados de acordo com suas bondades e perversidades, sem cair no vórtice mentiroso de santidade inata aos desencarnados.
A doce ilusão que em vida tudo foi um mar de rosas. Às vezes dois palavrões à beira do caixão é mais sincero que choros intermináveis.
E aí a cultura continua: flores baratas e fedorentas sendo vendidas nas portas dos cemitérios, velas queimando sob o sol forte do Brasil - luz para quem nem sabe onde fica o purgatório, quase uma piada -, e um rebanho de pessoas procurando o que sequer sabe que existe.
Uma chateação desnecessária!
O importante mesmo é viver bem com quem se gosta. Depois da morte e de enterrado, já que não dá para largar o cadáver em qualquer vala, é deixar a vida seguir seu rumo sem poluir o ambiente com flores murchas e parafina.
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