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Mostrando postagens com o rótulo Carlos Drummond de Andrade

Sem avisos

Um dia eu vou sumir, não aos poucos como uma fruta que se parte em pedaços e é engolida sem pretensão. Será de uma vez. Súbito. Não, não é estado de tristeza ou depressão que inflama essa afirmação. É um doce sabor de quem há de experimentar um arrebatamento cataclismico. De repente, não mais que de repente (como uma vez escreveu o poeta) eu sumirei em meio à multidão, sem ser notado, sem ser perturbado, sem alarde. E ficará, se alguém algum dia lembrar, como escreveu outro poeta, versos A um ausente. É só o que restará de mim pelas mãos de outro que me antecedeu. Um dia, eu sei, eu vou sumir.  E como não se destroi um império em um único dia, assim eu vou me fragmentando, acostumando os outros com pequenas ausências, silêncios enormes. E onde eu vou parar  ninguém sabe, nem eu, nem você, Olorum, de certeza, mas ele não vai contar. E vou viajar, como o Belchior fez duas vezes.

Entre sujeiras e miolos VI

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Foto: Suit. 1760. Metmuseum.   Algumas pessoas ficam horrorizadas quando menciono que não carrego nenhum documento pessoal de identificação sempre que saio de casa, independente do meu destino (a menos que eu saiba que vou realmente precisar). E isso porque se eu cair morto no chão devo ser enterrado como indigente, no mesmo esquecimento no qual vivo a minha vida. Qual a diferença de ser identificado quando eu morrer? Não desejo flores depois de morto e, de qualquer forma, não haverá ninguém para levá-las.  Em vida, ainda receberia flores e gracejos. E mesmo sabendo que não foi para mim que Carlos escreveu A um ausente, considero, em minha fantasia, para mim e para  os meus pet's, que já me esperam no além túmulo.  Antecipaste a hora. Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada? - C.D.A.

Um minuto no limiar

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Um minuto para a meia noite. Um minuto para o hoje ser ontem. E nada mais importar. A luz que entra vem de fora e o ar frio rodopia ao meu redor. Baixinho, quase um sussurro, a música evoca pensamentos e eu vou seguindo, com os olhos na escuridão, um amanhã que ameaça ser hoje. Não espero palavras. Não espero sentimentos. Não espero ninguém. Só que o minuto acabe e eu possa respirar aliviado por mais um dia que se foi. O que será de mim amanhã?  O que foi de mim ontem? O que sou agora? Começou a chover e o minuto passou.  O agora mudou e eu continuo ouvindo a música, no escuro, olhando para o nada. Nada. Palavra estranha que diz muito e deixa-nos na orfandade de uma definição. Talvez sejamos órfãos de nosso eu, que se perdeu por aí. E como Oliver precisamos apenas seguir em frente, apesar das maldades do mundo e das inocências internas. E, como Oliver, precisamos esperar um melhor amanhã sem que paremos no meio do caminho. Um caminho cheio de pedras, não só uma, como disse Car...

O Graciliano da boca do povo

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Dizem que Graciliano Ramos não era dado ao puxa-saquismo ou a ser bajulado e considerando suas obras e o que delas podemos inferir ele também não possuía lá muito senso de humor para a burguesia decadente que hoje lota Academias de Letras. E isso, considerando que não o conheci e que só li suas histórias e ouvi falar dele, tendo à mão o pouco deficitário da Casa Museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios-AL, pode induzir-me ao erro ao falar e escrever sobre o Graciliano. No entanto, não posso deixar de notar certas singularidades na terra dos marechais e que se tornam muito engraçadas à medida que o tempo vai escorrendo pelas línguas negras da orla de Maceió. É estranho que justamente a pessoa que não gostava de ser bajulado seja rotineiramente levada à fina flor da bajulação e tenha, em qualquer lugar vulgar, o nome jogado à mesa para uma discussão literária. Ninguém diz como Viventes das Alagoas retrata incisivamente os alagoanos e as veias da corrupção e do achismo do servi...

Noite Bruxa

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Quando resolve explicar algo a alguém realmente faço isso acreditando no que digo, ainda que pareça uma loucura inimaginável. E quando falo, além da minha opinião, tem a opinião de pessoas mortas - escritores, celebridades, não-famosos. E nem sempre o meu parecer tem aspecto de pensamento linear ou politicamente correto .  Algumas pessoas, ou ouvirem-me falar, revelam uma expressão de perplexidade e outras são mortalmente contrárias, ainda que minha expressão seja a de desprezo pelo contraditório só pelo contraditório. No dia das Bruxas, que é também o dia de comemoração do nascimento do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que precede a comemoração macabra de Todos os Santos e de Finados, não é difícil ver por aí minhas palavras ecoando e relembrando não apenas Drummond como também personagens fictícios, tornados reais pelo simples desejo. A mistura daquilo que não é real e do que não é apenas o termômetro do quanto se pode ser feliz sozinho, acompanhado, nesse e em out...

Do meu quarto ouvi a fuzilaria

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Madrugada passada o silêncio banal de uns apartamentos, os gemidos de outros e o sono de alguns honrados cidadãos de tantos outros cubículos do cortiço Eucaliptos (ou Eucalyptus, eles ainda não se decidiram) foram interrompidos por uma discussão doméstica ao pé de um dos prédios. Uma mãe que literalmente pôs a filha sobre os ombros, e depois foi ao chão junto com ela, para que esta não fosse se encontrar com um tal de "ele". E como era de praxe, colocaram o deus dos hebreus no meio da briga e um tal de pelamordedeus para evitar que ela e " ele" se juntassem mais uma vez. Cá para nós - nem Deus pode dormir com esse pessoal chamando por ele toda hora e por qualquer banal motivo. E olhe que  Ele proibiu dos seus fiéis chamá-lo em vão, já prevendo a chateação. Só que parece que não deu muito certo. Daí a pouco "ele" chega, a mãe grita mais e a filha insiste e persiste na ideia fixa até conseguir concretizá-la. E vai embora, madrugada afora, com ...

Meus vizinhos nus

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Foto: cen do filme Batman: o cavaleiro das trevas ressurge Essa madrugada, como outras passadas, estava de frente para a janela que sempre me desvenda homens e mulheres nus, no outro prédio, cujas janelas da sala e dos quartos dão para a minha; dessa vez, graças a Deus, como em tantas outras, não foi pênis, bundas e peitos que vi. Dessa vez, como em tantas madrugadas passadas em que o sono me trai e incentiva-me a ficar acordado planejando dominar o mundo e certas mentes, planejando em não planejar para nada dar errado e o que acontecer ser sempre o certo, o que vi foram nuvens que se precipitavam, ameaçavam  desabar sobre o prédio velho e que, mesmo podendo, não o faziam. Vi os sonhos enferrujando do outro lado da rua enquanto no andar de baixo, entre lençóis, outros tantos deixavam de sonhar pela falta de coragem em mudar de vida e de rumo. Esse mal, essa vontade de continuar a ser o mesmo todos os dias até o último, destrói tudo o que passa por perto. talvez seja por i...

Piquenique Literário

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A Galera do Piquenique Literário O bucolismo do interior permite muito: ver a lua e o planeta, que vira estrela na boca de quem quiser; almoço com a quentura do verão e o cheiro da rua frequentada por animais de grande porte; olhares diferentes sobre a vida e muita criatividade para todos aqueles que inovam, sabendo disso ou não. E mais: aulas ao ar livre, experimentos de física com foguetes, ociosidade e prosa - nem sempre escrita. Podendo inovar e com a filosofia do incentivo à leitura, à aprendizagem e do 'fazer sempre algo novo', realizou-se, e ainda tem mais na próxima quinta, a edição 2015 do Piquenique Literário, organizado pela professora Edneide Ferreira Leite, com o apoio do IFAL - Palmeira dos Índios e do Clube de Leitura Passarinhar, do Selo Off flip e do escritor Fernando Aguzzoli. Quem disse que piquenique não tem graça? A Balada Poética, um show recomendadíssimo, do poeta, escritor e declamador Luciano José fez a alegria dos participantes ao recitar...

Sentimento do Mundo

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Cada um carrega em si, para si, os sentimentos de seu mundinho, do planeta, do trabalho. Cada um é responsável por suas escolhas, suas visões e suas opiniões. Cada um carrega sobre seus ombros o peso do mundo, em uma visão noturna de frente par ao mar ou ao ver um operário passando sem o uniforme azul. Sentimento do Mundo , de Carlos Drummond de Andrade é uma conversa com um poeta que de ilusões parece só possuir os bons momentos de quem vive: política, sociedade, cidadania, injustiça, amor, nostalgia são elementos das páginas que cabem no bolso. Poemas que não se aplicam apenas às relações amorosas, se é o que o leitor busca nessa obra. Então não se decepcione. Drummond revela, nessas linhas poéticas, com uma prosa escondida, a capacidade de ver a beleza, o caos e o futuro. Um mundo em que o sentimento passa de realidade à saudade, em que a infância é o melhor lugar que se poderia estar [hoje], em que fantasmas também sentem dor, é o retrato de uma visão interessante e particu...

Nasce um Mago, Nasceu Drummond

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foto: thesecret.tv.br Em trinta e um de outubro de mil novecentos e dois o Brasil entrou para a história como o país com mais um Mago. Mais um, apenas? Talvez devêssemos dizer o Mago das Minas Gerais, aquele que morto está vivo e que ainda vivo já era ícone da literatura nacional, na prosa, poesia e artigos. Esse Mago mineiro, Carlos Drummond de Andrade, arregimentou fãs, admiradores e entusiastas das letras, das suas letras ao longo do último século do milênio passado e, resistindo aos modismos não apenas literários, continua sendo o poeta das multidões. No dia em que vulgarmente se comemora o Dia das Bruxas, feia mania brasileira de importar a cultura alheia, devemos tirar dois dedos de prosa com quem perguntou a “José, e agora?”, e  descreveu o “Necrológio dos Desiludidos do Amor” com a sabedoria de quem ama e é intensamente vivente de si e do mundo. Drummond escreveu, sempre com sutileza, sobre economia, política e sociedade em suas linhas poéticas sem deixar a sens...

A dor e o Sofrimento carregado pelas Testemunhas

Uma batida na porta e um total desconcentramento na atividade que estava fazendo. E para completa surpresa, eram duas Testemunhas de Jeová. E elas queriam mostrar o quanto o planeta está péssimo e o quanto se precisa melhorar para que na Segunda Vinda... Espere! Será que a Terra está tão ruim assim? Será que o sofrimento e a dor são realmente necessários para mostrar ou o amor ou a ira de Deus? Será que o homem não pode viver sem a constante necessidade de culpar uma divindade por seus infortúnios? Se tudo isso acontece, então qual a razão de não buscar a abreviação da própria vida em vez de incomodar os sofredores sadomasoquistas? E ninguém diga que é amor pelo próximo, que pode ser tudo, menos isso. O que é impressionante não é que estão interessados no que as outras pessoas têm a dizer ou em suas experiências; em tudo aquilo que faz a vida real – fora dessa redoma de dor e sofrimento – querem apenas mostrar o lado perverso da existência humana sob a fachada bíblica do Apoc...

A poesia viva

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Budismo Moderno Tome, Dr., esta tesoura, e … corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo meu coração, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas da lagoa A criptógama cápsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída Na aberração de um óvulo infecundo; Mas o agregado abstrato  das saudades Fique batendo nas perpétuas  grades Do último verso que eu fizer  no mundo! Augusto dos Anjos De muitas coisas os brasileiros podem se orgulhar! E dentre elas está a produção literária, patrimônio exclusivíssimo do Brasil, que ainda não foi, e acredito que não será, prostituído pelo estrangeirismo. Autores de porta de cadeia, de mesas de bares, de casas de prostituição, consagrados, anônimos, ascendentes, regionalistas, nacionais...São tantos os tipos de indivíduos que escrevem, independente da qual...