O Graciliano da boca do povo
Dizem que Graciliano Ramos não
era dado ao puxa-saquismo ou a ser bajulado e considerando suas obras e o que
delas podemos inferir ele também não possuía lá muito senso de humor para a
burguesia decadente que hoje lota Academias de Letras. E isso, considerando que
não o conheci e que só li suas histórias e ouvi falar dele, tendo à mão o pouco
deficitário da Casa Museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios-AL, pode
induzir-me ao erro ao falar e escrever sobre o Graciliano.
No entanto, não posso deixar de
notar certas singularidades na terra dos marechais e que se tornam muito
engraçadas à medida que o tempo vai escorrendo pelas línguas negras da orla de
Maceió. É estranho que justamente a pessoa que não gostava de ser bajulado seja
rotineiramente levada à fina flor da bajulação e tenha, em qualquer lugar
vulgar, o nome jogado à mesa para uma discussão literária. Ninguém diz como Viventes das Alagoas retrata
incisivamente os alagoanos e as veias da corrupção e do achismo do serviço
público ou de como uma certa casa no centro de Palmeira dos Índios poderia
representar muito bem uma cena ou outra de São
Bernardo ou de como, muitos anos depois, Vidas Secas é tão vívido quanto o povo que morre sem um atendimento
de saúde decente na mesorregião alagoana– e isso para citar por cima.
Não. Nas discussões literárias,
estranhamente distante da política (o que torna ainda mais estranho visto que
Graciliano também era político), onde o mais importante é parecer culto, e não
propriamente ser, Graciliano é objeto de ostentação e sua obra é um mero
detalhe em uma sociedade de princípios maleáveis e obendientemente bajuladora. Se
vivo, Ramos olharia com bons olhos essas atitudes, tidas como louváveis, ou
agiria como costumam dizer, rechaçando para longe de si e de seu nome todo esse
vazio intelectual?
Agora acharam de reproduzir sua
imagem em tamanho natural em Maceió, distante de Palmeira dos Índios e
Quebrangulo, cidades e regiões onde a inspiração veio-lhe sem medo, como uma homenagem (a quem, de fato?). E como o
Tom Jobim e o Carlos Drummond de Andrade, na Cidade do Rio de Janeiro,
Graciliano servirá para turistas tirar fotografias, ser objeto de roubo, ser
escora para pedestres cansados. Verá eternamente as línguas negras que
apodrecem a não tão cuidada orla da burguesia maceioense e ainda terá que
suportar as falhas de caráter política que tanto expôs quando era político.
Embora seja totalmente a favor de
práticas que visem homenagear célebres cidadãos que contribuíram para a cultura
e para a melhoria da qualidade de vida e do serviço público de Alagoas, sou
também cauteloso ao expor pessoas que, em vida, talvez não fossem gostar de tal
veneração desmedida.
O problema do adorador é
pressupor que o adorado vai amar os devaneios em nome dessa adoração.
De minha parte acredito que um
edifício que poderia abrigar uma biblioteca, um centro de inclusão digital e um
espaço para a promoção e fomento da arte, em suas mais diversas formas, com
recursos garantidos para os trabalhos sociais, dedicado ao Graciliano, seria
muito mais útil e uma homenagem muito mais digna que uma mera estátua. Afinal
de contas, o povo continuará sem saber quem foi Graciliano Ramos nem o que ele
escreveu ou fez. Os Fabianos e Sinhas Vitoria serão sempre retirantes de uma
vida sem arte, lutando apenas pelo pão nos grandes domínios dos senhores de
terras modernos de Alagoas.
Mas disso, evidentemente, ninguém
quer mesmo saber.
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Foto: fb/RobertaFFireman |
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