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Sob o olhar Dela

 Nuvens de chumbo cobrem a terra. Ventos em todas as direções.  Vozes silenciadas em respeito à imponência Dela. E lá está, entre nuvens acinzentadas, água em multiestado, ventos frios e ditosos.  Nenhum som se eleva. Nenhum filho se curva ao asfalto, ao abstratismo do capital alheio, ao querer dos que nada sabem o que querer.  Esperando a água indomável, os metais estão recolhidos em meio à atmosfera da lavagem celeste. Os guerreiros param de súbito.  Os viventes, devagar, caminham.  É dia de Exu passar em revista nas encruzilhadas do mundo. E entre tantas divisas, lá está Ela.  Eparrey!

A suavidade da chuva outonal

 Abro a porta e vejo a linda luz de início da manhã cintilar nas gotas de chuva outonal. Não está frio e tomo uma coca-cola (porque a vida é breve e pobre morre cedo de qualquer coisa mesmo). Inspirado, coloco no reprodutor Chove Chuva na versão do Biquíni Cavadão. Os problemas solucionáveis e pueris estão embaixo da pia, a espreitar-me, rancorosos porque resolvi não lhes dar atenção.  A chuva está sensível, meiga, como Oyá em tempos de paz.  Eu estou acordado desde a madrugada, sem percepções entorpecidas, sem sonhos insolentes, sem sono naturalmente esperado. Todos os que não precisam trabalhar estão em casa, abrigados, agasalhados. Meu vizinho, mão de obra barata da construção civil, saiu cedo quando a chuva era uma pausa em mais uma manhã.  Daqui a pouco os garis irão despontar na esquina recolhendo os resíduos sólidos urbanos de uma centena de gente que sequer valoriza o fato de a rua ser limpa sob chuva em uma manhã como essa.  Essa chuva me lembra Ela, Oy...

A hora da Senhora do Entardecer

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O notebook, há tempos ligado com o Power Point aberto, aguardava minha boa vontade de parar e fazer minha obrigação cujo prazo está acabando. Sacolas espalhadas no chão denunciam minha completa falta de interesse em revolver-lhes até a completa organização. É sábado e fez tempo quente nesse pedaço da caatinga. O inverno acabou  mesmo - foi embora e nem se despediu. Dentre tudo o que podia fazer a melhor opção era observar, do alto, o findar do dia, saudando a Senhora do Entardecer.  Muda-se a paisagem, destroi-se a Lembrança e o tempo passa.  Mutante vida, apenas sua beleza não se desfaz. A Senhora dos Nove Oruns é a Mãe que rege, protege e abençoa e na ponta do seu florim está a direção do meu caminhar. Sob os telhados as pessoas não podem imaginar o tempo do findar do dia e diante da ignorância, não há o que repreender (os ignorantes não sabem o que dizem). O mundo espera. As atividades mundanas esperam. Eu espero. Porque quando ela passa todos os homens a s...

A dança celeste

De repente, no raiar do dia, cedo como em todo verão, o tempo vira e nuvens de chumbo bloqueiam a luz  do sol. Rajadas de frio avançam sobre os desavisados. E, não mais que de repente, o céu se ilumina e tambores celestes anunciam a Sua chegada. Trovões avisam. Raios iluminam. Xangô passa em revista à tropa. Iansã cavalga à frente, na batalha da vida. Os desavisados temem. Os fiéis saúdam. E o exército de Suas Majestades prossegue.  O céu e a terra, juntos, estremecem. A dança nunca acaba. Os filhos, atentos e cheios de amor, dormem em tranquila harmonia com seus pais manifestos. 

À Senhora dos Ventos, dos Raios, dos Oruns

 Minha Senhora, o entardecer hoje foi nublado, com brisas frias que embalam sestas em dias quentes e pós trabalho intenso. E seus pontos ecoaram por entre meus pensamentos e minhas mãos, tecendo quadros de gratidão e revoadas alegres.   O teu braço estendido, acalentador, é a minha direção; a minha baliza na desordem e a força que me mantém no caminho.  O teu raio sou eu. A minha força és tu. O teu florim sou eu. O vento que me protege e acalma és tu. Porque nas tempestades eu estou em casa, flanando com a calma e a agilidade de uma borboleta; e em meio a áridos terrenos eu estou em tranquila caminhada, como o búfalo em seus ciclos migratórios em terras distantes.  Os meus inimigos ficam à margem do caminho e o horizonte tem as cores da tua dança. E diante disso eu só consigo bradar EPARREY!

É a primavera chegando ao fim

Vídeo: Rafael Rodrigo Marajá Da janela podemos ver um mundo rotineiro, cronometrado, dividido entre achismos e vizinhos. E em uma realidade pandêmica, atribulada, ocupada, preocupada, nossa janela, por muitas horas do dia, são de apenas algumas polegadas.  De repente, sons celestes, tímidos, são ouvidos e a tensão aumenta. Para os fiéis, são os primeiros sinais que o Rei está passando.  A chuva cai. As janelas são fechadas. O povo corre. E então o verão mostra sua face durante a primavera. É o fim para ela. É o renascimento para ele.  É o espetáculo belo, gratuito, aleatório, perigoso e dominador.  Os filhos da tempestade não temem e os Orixás mostram, embora não precisem, a vida que flui, muda, transforma e é transformada.  Vídeo: Rafael Rodrigo Marajá

A beleza do Candomblé

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A beleza do candomblé está no relacionamento entre homens e Deuses e no fato de que estes nunca estão suficientemente longe para que não cuidem dos seus filhos. Uma religião que mostra que o respeito e a delicadeza podem estar de mãos dados com a força. Uma religião cuja história revela a história do povo brasileiro e que, por essa razão, é vítima de ataques e de preconceitos daqueles cuja raiz é negra e religiosamente candomblecista.  Tal sentimento do belo decorre da dança, da música, do respeito, da comida, da tradição, do idioma e da deferência entre os próprios Orixás e entre homens e Orixás.  Que o amor que Oxalá sente por seus pares e por seus filhos se estenda a todos aqueles que demonizam o que é diferente fazendo com que as barreiras que impedem o crescimento espiritual de todos nós sejam vencidas por esse amor. Que sejamos negros, na alma e na força do nosso axé.

Com a sabedoria do Raio

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Há dias em que tudo está normal, com os livros no mesmo lugar, os CD’s na mesma disposição, a vida com a leve poeira do tempo sobre tudo, inclusive sobre sua própria vida – tão frágil, tão rápida, tão desgraciosa. Há momentos em que você olha para seus livros e seus CD’s e entre eles vê o óbvio: falta tudo e sobra lixo. Falta uma saída rápida ao prostíbulo familiar de uma amiga, o estudo profundo da vida alheia em uma mesa de bar ao som de um brega e na companhia daqueles que o consideram um irmão desde sempre, as histórias sobre aquela velha beata que hoje fala mal dos jovens e que no passado foi uma proeminente “mulher do povo”. Falta o movimento para tirar a poeira sobre a cabeça virtual. Sobram coisas demais: lembretes de pessoas que não gostam de você, eventos que precisará ir, leituras, músicas, ociosidades. Imbecilidades. Inutilidades. Então, como se o raio de Iansã caísse aos pés, a força para mudar começa a fluir dentro do corpo, junto com o sangue, e coisas úteis ...