De novo, sorrindo ao novo
Fellini's Women. Ilustração de Milo Manara |
O nascer de uma relação implica, em uma quantidade de vezes razoável,
na partição de um nós por dois individualismos, que se reorganizam, se
remodela, se refazem para atender às necessidades que já não são mais
satisfeitas no modelo de relacionamento outrora adotado.
São eus que se fazem tediosos, rabugentos, ciumentos, implacavelmente
intratáveis no compartilhamento voluntário de uma parte da vida que comumente
se confunde com uma eternidade dita e premeditada, do amanhecer ao anoitecer.
Essa separação, nem sempre dolorosa nem sempre fácil, é o motivo de
depressões, poemas, músicas e deboches públicos. Significa, ao mesmo tempo,
sair de uma zona confortavelmente conhecida para o embriagante e lamacento
terreno do novo e desconhecido. Uma separação que parte um nós por dois eus e
que conserva, no íntimo, as experiências, os medos, os erros e os acertos de um
tempo partilhado com alguém.
E da mesma forma que se junta e separa-se, um novo nós é reformulado
do zero, com as implicações do amadorismo amoroso – a não ser que estejamos nos
referindo a amantes profissionais – e a imprecisão do mesmo futuro de antes, só
que agora com outro nome, outro rosto, outras manias.
Ver uma relação acabar é o mesmo que ouvir um “vamos dar um tempo”.
Observar uma relação surgir é o equivalente a ligar/mandar mensagens todos os
dias e falar bobagens e assuntos sérios sem o formalismo de um debate.
Se soubéssemos ser poetas teríamos a decência de não julgar os rumores
de um fim anunciado; se fôssemos compreensíveis conosco teríamos a necessidade
de deixar o outro eu, aquele que foi ombro, mão e palavras amáveis, ser o corte
transversal para onde a alegria e os problemas recorrem para serem sanados ou
apreciados; se tivéssemos a coragem de não ser ninguém, seríamos tudo e ainda
mais para quem fomos e para quem fomos algo.
É estranho ver surgir algo novo e é prazeroso saber que tudo um dia
acaba para dar a oportunidade de algo, bom ou ruim, fazer seus benefícios e
estragos.
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