O amor é a separação antecipada


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
De se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes, “Antologia Poética”.

Cena do filme Quincas Berro D'Água. Quincas morto.

Quem ousar aprender o Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes, deve, logo em seguida, aprender o Soneto da Separação, o complemento do amor, da fidelidade: a separação.
O sol, estrelas, lua são capazes de descrever o amor que, em certas obras, para determinados momentos, para alguns olhos e corações, é raio, brisa e flash. Para outros, é sal, mar, fim de tarde, madrugada.
Para cada um tem-se uma maneira diferente de definir o amor e suas sensações mais diversas.
É mulher. É olhar. É afeto. É construção. É colosso. É tudo. É nada.
Ama-se de tal modo alguém que e imaginável perder-se entre risos e palavras, do amanhecer ao anoitecer. Ama-se a partida e a chegada, planejadas e sempre surpreendentes pelas intempestivas variações de humor e clima.
Ama-se o que está longe, mas perto. Ama-se o cabelo, o cheiro, o caos e o caso.
Mente para amar. Ama-se mentindo.
Ama-se tanto que um dia, inevitavelmente, esse amor evapora como o éter à temperatura ambiente. E então, para todos e qualquer, o sal faz-se presente em lágrimas.
É nesse momento, sob circunstância adversa do riso de outrora, que o Soneto de Separação, em antagonia indesejada ao da Fidelidade, surge e diz tudo aquilo que a imaginação, suprimida pelo coração, não consegue articular.
E, por essa razão, por que um dia tudo acaba, até o brilho das estrelas, da lua e do olhar, que, ao aprender o Soneto de Fidelidade para declamar à pessoa amada, deve-se, com o mesmo objetivo – ainda que esta não esteja ao alcance para ouvir -, aprender o Soneto da Separação.
O amor, é, antes de qualquer palavra, o fim anunciado.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Soneto da Separação

Vinicius de Moraes

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