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Em estado solo

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Quadro: Retrato de Mulher, possivelmente Ginevra d'Antonio Lupari Gozzadini, Atribuído ao Maestro delle Storie del Pane. Metmuseum.   Noites de delícias e sossegos. Dias de trabalho e sons diversos. E entre o passar das horas e a imposição de limites para o fim de atividades, o fim de auto pressões sociais, o fim de velhos hábitos, existem  descobertas que nos provocam e tornam-nos interessantes - e é sempre melhor que seja para si do que para outrem.  Porque quando ficarmos sozinhos - presos em nossos mundos físicos, com tantas limitações quantas forem possíveis existirem em ambientes trancados, sem o verdor natural do mundo, com odores vendidos em farmácias e comida competentemente pré-cozida por multinacionais que nem sempre são boas para nossos corpos frágeis e viciados - precisaremos ter com o que nos divertir e distrair. As noites deliciosas podem ser com única companhia e as de sossego, idem.  Os dias de trabalho podem ser mudados e reformados. No entanto, o l...

É a primavera chegando ao fim

Vídeo: Rafael Rodrigo Marajá Da janela podemos ver um mundo rotineiro, cronometrado, dividido entre achismos e vizinhos. E em uma realidade pandêmica, atribulada, ocupada, preocupada, nossa janela, por muitas horas do dia, são de apenas algumas polegadas.  De repente, sons celestes, tímidos, são ouvidos e a tensão aumenta. Para os fiéis, são os primeiros sinais que o Rei está passando.  A chuva cai. As janelas são fechadas. O povo corre. E então o verão mostra sua face durante a primavera. É o fim para ela. É o renascimento para ele.  É o espetáculo belo, gratuito, aleatório, perigoso e dominador.  Os filhos da tempestade não temem e os Orixás mostram, embora não precisem, a vida que flui, muda, transforma e é transformada.  Vídeo: Rafael Rodrigo Marajá

Entre respostas e mutações

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Escultura: Um hipócrita e um caluniador. Franz Xaver Messerschmidt. Metmuseum. Em meios aos afazeres do cotidiano e do completo abandono das redes sociais deparei-me com uma notificação da BBC News Mundo sobre a nova variante do SARS-CoV-2 detectada no sul da África. Parei um minuto e fui ler a matéria, como todas as outras, muito boa.   E qual não é a minha surpresa ao chegar ao fim da notícia e deparar-me com a seguinte afirmação  " La lección de la pandemia es que no siempre se puede esperar hasta tener todas las respuestas ( BBC News Mundo , 2021, online)." E fiquei a cismar com essa afirmação a tarde toda não porque seja complexa ou extraordinariamente impactante, mas porque revela o quanto somos dependentes de respostas e, nessa sociedade cada vez mais doente pelo imediatismo provocado e fomentado por ambientes virtuais e sociais, acabamos por levar ao precipício a nossa saúde mental sempre que esse imediatismo e essas respostas não satisfazem nosso sadomasoquismo....

Aceitação algoritmizada

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Escultura: Cravo. Michele Todini, Basilio Onofri, Jacob Reiff. Metmuseum.   Querer a aceitação do outro sempre foi um problema - para todos. Para conseguirmos essa aceitação, transitória e iludida, submetemo-nos aos mais degradantes estados sociais que podemos atingir. Com as redes sociais em alta e a pandemia chicoteando-nos por todos os lados, passamos a admitir o ridículo como pré-requisito para sermos legais, engajados e respeitados. Dançar com baldes na cabeça ou segurar em um fio energizado com os pés dentro de uma bacia cheia de água passou a ser o mínimo para conseguir uma aprovação de poucos segundos. E por quê? A nossa solidão, os nossos vazios e os nossos dilemas íntimos explicam isso. Não seguir uma pessoa é não gostar dela. Não estar presente em lives é ficar pelo caminho. Não ter engajamento é simplesmente desaparecer em um mar de desconhecidos.  E a morte social ganhou outros patamares.  Ter um perfil privado e ter, simultaneamente, poucos seguidores signif...

Colecionáveis inúteis

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Quadro: A Month's Darning. Enoch Wood Perry. Metmuseum.   Passamos a vida colecionando inutilidades. Diplomas, livros, paixões, títulos, bajulações, mágoas, alegrias, lugares e pessoas. Há quem colecione resíduos inservíveis. Colecionamos tudo o que nos é possível.  Só nos escapa o autoconhecimento da inutilidade dos objetos, materiais e abstratos, que juntamos com tanto esforço e sacrifício. E quando paramos para observar bem, o motivo das coleções são as faltas - de amor, de segurança, de propósito. Colecionamos em inutilidades a nossa falta de coragem de assumir nossas fragilidades e incoerências, como se tudo o que nos cabe na vida é preencher vazios - que nem sempre são criados por nossas ações. E então, um dia tranquilo qualquer, tiram-nos nossa coleção e deixam-nos órfãos de tudo aquilo que ocupava um espaço ocioso e que nos impedia de vivermos em plenitude. Órfãos de quinquilharia. Órfãos de inutilidades. Órfãos, simplesmente. Então começamos de novo. E o que colocar n...

Error

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Quadro: Sibylle. Camille Corot. Metmuseum.   Com frequência somos instados a sermos assertivos sempre, como se soubéssemos das respostas certas para todas as perguntas imagináveis e inimagináveis que possam nos fazer. A ideia que jamais poderemos errar é colocada em nosso íntimo e o medo da falha nos aterroriza, paralisa, imobiliza qualquer criatividade.  E em todos os planos que elaboramos o erro não tem lugar. Errar significa o fim do jogo; o fracasso que não poderemos suportar. Essa ideia resiste ao tempo e as mais diversas dificuldades. Errar e admitir o erro envolve, falsamente, a ideia de fracasso - e não fomos educados para compreender os motivos que nos levaram ao erro. Ao contrário, fomos educados para a competição nua, crua e cruel. Nada além disso. E isso contribui para tantos desenganos e suicídios.  Como não errar? Por que o erro existe? Como superar o erro? Em tempos tão padronizados, onde o que existe são figurações para redes sociais, o que nos sobra são m...

Sol em Sagitário

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Foto: Constelação de Sagitário. NASA.  No ambiente ecoa Queen, na versão da Royal Philharmonic Orchestra. A rua parece estar em calma, numa versão pavorosa de velório que só ocorre em certos dias de certos meses em certos momentos do ano.  E o instante é de parada de manutenção obrigatória para a minha mente, o meu corpo; tudo em nome da boa e vindoura produtividade.  O dia, no entanto, foi de sonhos - tão reais e vívidos que não sei em que parte é que eu voltei à vigília. A questão não é a realidade vívida do sonho e sim quem estava lá. A aventura de reviver antigos e sempre presentes laços torna tudo mais divertido e aventureiro. Uma pena mesmo é que os sonhos, por vezes, demorem tanto para se concretizarem. No ar parece existir um clima diferente. Um estado de mudança iminente que se faz valer da repentina calmaria e da inexistência de problema para provocar o novo. Parece ser o instante último antes da tempestade aparecer e bagunçar tudo, nem sempre para a pior. ...