Colecionáveis inúteis

Quadro: A Month's Darning. Enoch Wood Perry. Metmuseum.

 

Passamos a vida colecionando inutilidades.

Diplomas, livros, paixões, títulos, bajulações, mágoas, alegrias, lugares e pessoas. Há quem colecione resíduos inservíveis. Colecionamos tudo o que nos é possível. 

Só nos escapa o autoconhecimento da inutilidade dos objetos, materiais e abstratos, que juntamos com tanto esforço e sacrifício. E quando paramos para observar bem, o motivo das coleções são as faltas - de amor, de segurança, de propósito.

Colecionamos em inutilidades a nossa falta de coragem de assumir nossas fragilidades e incoerências, como se tudo o que nos cabe na vida é preencher vazios - que nem sempre são criados por nossas ações.

E então, um dia tranquilo qualquer, tiram-nos nossa coleção e deixam-nos órfãos de tudo aquilo que ocupava um espaço ocioso e que nos impedia de vivermos em plenitude.

Órfãos de quinquilharia.

Órfãos de inutilidades.

Órfãos, simplesmente.

Então começamos de novo. E o que colocar no lugar? 

Sapatos?

Papéis?

Pessoas?

Prêmios?

Títulos?

Lugares?

Sentimentos?

Pensando bem, analisando o nosso íntimo que habita entre escombros e fantasias, deveríamos deixar o espaço livre, arejado, leve e disponível - não para uma ocupação sem serventia, mas apto a tornar-se o que quer que seja possível, desde que seja saudável.

Compreendendo isso poderemos vir que o desapego material vai muito além que não lamentar por coisas perdidas. O desapego material é libertar-se da escravidão de arrastar, durante toda a vida, inutilidades com prazo de validades ou pessoas que não nos querem em suas vidas. 

E isso liberta, ainda que dilacere nos primeiros cinco minutos. 


 


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