O amor na madrugada

Todas as noites são existências de um sofrimento inominável que sai de você para mim sempre que seu sorriso quebra a geleira da minha alma. Assim como o calor derrete o gelo da garrafa ao lado do nosso sofá, displicentemente esquecido no começo de nossos devaneios de uma noite quente, o seu sofrimento de uma entrega intensa, duvidosa, é a prova de um grande amor conservado a temperaturas oscilantemente trabalhadas em nossos corpos.
Meu grande amor cabe em uma minúscula artéria que imiscui-se a tecidos e vasos e quase se rompe sempre que o seu cheiro faz-se presente ao meu alcance limitado. Meu grande amor pode ser visto em poesias mal feitas escritas em guardanapos roubados das mesas vizinhas, em bares, restaurantes, lanchonetes, lugares comuns. Meu grande amor é triste pelo fim que imagina para si, entre soluços e lágrimas que não se contém no sofrimento mudo de palavras não ditas. É triste pela vida que acontece e que pode, repentinamente, acabar com uma pequena palavra dita.
De grande tenha meus olhos, rasgados, alegres, brilhantes. De triste tenha sua partida. De amor tenha os dias presentes.
Não!
Não tenha pressa em ir. Ainda é cedo. O amor mal chegou nessas vidas que viram à beira-mar naquele dia de semana ensolarado e tumultuado.
Não vá agora. Ainda não disse as piadas sem graça, ainda não declamei sonetos feios, ainda não pensei na desculpa que fará você ficar. E nada fará desistir de você nessa hora de tão grande amor.

Minha alma precisa de seu sofrimento adiantado para atrasar-te amanhã de manhã. Então fique até ele dormir e nós cairmos no abismo de nossos silêncios, tão intensos em suas existências. Eu sei o que eu vejo em você e você sabe aquilo que não, por isso, meu amor, fique mais um pouco e transforme esse suor gelo, para gelar seu rosto ao sol de daqui a pouco.

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