Crônica de uma vida insuficiente XXVIII

Arte: Lion Sleeping, Antoine-Louis Barye. Met.

 

Mesmo tentando, olhando para a esquerda quando a paisagem da direita há dores imensas coletivas, não há como ignorar o tamanho do abandono em que vivemos. 

Comemos o suficiente para não morrermos de fome e desempenhar essas atividades insalubres e com baixa remuneração. Não comemos, enchemos a barriga com plásticos, papelão, vidro, agrotóxico, venenos diversos. Pesados, saímos para sustentar o giro do capitalismo que nos nega o básico para sermos pessoas. 

E, cansados, ao tentar dormir, não conseguimos porque nossa carência nos insufla a ir buscar aprovação em redes sociais, jogos de azar, ódio políticos e discórdias sociais, mesmo que, ao lado, roncando devido à gordura de uma alimentação ruim, haja uma pessoa que diz que nos apoia. Amores, perdidos pelo medo de não sermos nada além de pessoas, já não existem mais. 

Aliás, será que chegamos mesmo a "amar" ou deliramos tentando não nos sentir sozinhos? Não, é bem provável que um medo justificável de sermos e estarmos sozinhos em um mundo indiferente a tudo e a todos tenha nos empurrado para fotografias de falsos sorrisos, com pessoas que nem lembramos mais o nome ou o paradeiro. 

Agora estamos aqui, fartos de fotografias antigas, inchados de venenos visíveis e insidiosos, lastimando perdas monetárias em jogos de azar virtuais. 

Estamos sós, como sempre estivemos, mal-alimentados, mal-amados, mal-acostumados a uma vida social que jamais existiu, tentando não ser um fracasso. 

E fracassamos em tudo. 

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