Pequenas tragédias

Soupe à trois sous
Ilustração: Soupe à trois sous. James McNeill Whistler. The Collection OnLine


Sem querer, comecei o período de greve docente mais cedo e não muito feliz com a ideia de passar mais um tempo ocioso apenas para suprir a necessidade gananciosa de alguns docentes. Comecei esse lapso temporal terminando a leitura de Primeiro Amor, um romance de James Patterson e Emily Raymond. Uma ficção baseada na vida de Patterson.
Enquanto lia pensava sobre as inúmeras tragédias que se passa na vida de algumas pessoas e de como as nossas tragédias, embora muitas vezes pequenas e sem a mesma profundidade de algumas que viraram romances, acabam por nos tornar isolados de nossas próprias emoções e aspirações.
E quando digo tragédia não me refiro apenas à morte, à uma doença terminal ou a algum tipo extravagante de tragédia. Refiro-me a amores que vão embora depois de jurarem não ir (e que não estão com doença terminal); a pais que não conseguem ver nada além de necessidades básicas por medo de encontrar, fora da caixa, um mundo incrível em que eles não podem (e não querem) desfrutar; refiro-me a oportunidades perdidas e a não saber conviver com o silêncio e com o sentimento de solidão que este traz. Refiro-me a viver e não ser apenas um dado do IBGE.
Certa vez, uma pernambucana mostrou-me que os limites só podem ser quebrados quando ninguém está olhando - atentamente - e que se for fazer algo, faça sem medo. Ela um dia foi embora também sem justificativas e nunca vou saber se ela olhou para trás - eu estava tão perdido quanto um folha ao vento de novembro no nordeste brasileiro. Em outra ocasião conheci uma baiana que mostrou-me, na prática, que não importa o quão bem possa estar indo, se não é o caminho que deseja então deve recomeçar - ainda que o medo e a incerteza sejam constantes. Conheci outra baiana, só que essa é um tipo doida e dela ainda estou aprendendo - quem sabe no futuro eu tenha aprendido algumas coisas interessantes?
Com elas a tragédia da perda, do recomeço e da utopia sempre ganharam do medo e da necessidade de ser igual aos outros e é bem possível que nenhuma saiba da minha apropriação de experiências compartilhadas - às vezes nem sempre só comigo. O que elas sabem é que, independentemente do que possa ter acontecido - e aconteça - fizemos o que deveríamos - e devemos - ter feito. E isso é mais importante do que se enquadrar nas estatísticas do IBGE para uso de celular e da economia. 
Enquanto lia, e lá fora a chuva caia intermitentemente, lembrei de pedaços de memórias, de tristezas e de risadas; viajei por alguns estados dos Estados Unidos e acabei de volta a Aracaju, tão cheio de histórias quanto sem a falta de nostalgia. 
Em alguns momentos é preciso saber que houve o erro, o acerto e a indecisão. É preciso reconhecer que lágrimas rolam quando a impotência faz-se presente ou a saudade toma-nos de assalto e que não é vergonha nenhuma ter historinhas de amor e ódio guardadas no bolso.
Quando terminei de ler a última página e fechei o livro, senti-me parte de um mundo grande e muito maior do que eu posso conhecer, ainda menor do que eu gostaria. 
E descobri que a tragédia, ainda que pequena, é o que nos faz crescer - com rapidez e intensidade suficiente para mudar nossa vida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Reunião de faces

Maníaco do Parque: entre o personagem e o homem

Nada além do que virá