Inquietação pelo motel
Estava voltando do conjunto Eduardo Gomes, olhando pela janela do ônibus o resultado de uma tarde e uma noite de chuvas intensas, refletindo sobre a solidão de milhões de pessoas, que às vezes cabe dentro de uma só e às vezes não cabe em lugar algum, quando o ônibus para em um ponto sem qualquer indicação, como parecer ser muito frequente no conjunto. Levanto a vista com a mesma animação que um cachorro acordando e dou de cara com um motel esfarrapado, bem chulo.
Foto: Linha 031, Aju-S. Cristóvão |
Quem, em juízo perfeito, teve a ideia nada genial de colocar um ponto de ônibus em frente a um motel? Isso ninguém há de saber. O que fica claro, no entanto, é que é o pior lugar do mundo para os clientes do motel que queiram discrição e agilidade na entrada/saída. Para o proprietário, deve ser bom visto que os pobres que não tiverem automóvel próprio podem esperar umas duas horas, em média, para um mero sexo rápido e depois passar pela humilhação de esperar mais duas horas à porta do motel para ir embora. Pode parecer impensável e impraticável, mas há quem se arrisque nisso.
É peculiar, de mal gosto e pode até ser divertido ter um ponto em frente a um motel.
Não detive-me muito nesse "detalhe" de percurso por que alguns pontos de reflexão martelavam em meu rosto impassível - agora nem tanto. A chuva causou muitos estragos, como sempre ocorre em cidades sem um sistema eficiente de esgoto, muitos ficaram ilhados em suas casas e como o problema só atinge os pobres os governos pouco fazem para melhorar - e o povo pouco busca soluções.
Acabei minha pequena viagem ainda mais intrigado do que quando comecei. Pensar é o trabalho mais difícil do mundo e dele origina-se a insatisfação, a revolta e as buscas incansáveis.
Tenho medo de pensar e, no entanto, quando me dou conta, já estou pensando intensamente a um bom tempo - e aí não tem mais jeito.
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