-ismos do cotidiano



Não é difícil ouvir reclamações sobre individualismo, egoísmo e todos os -ismos que promovem a vida solitária, apesar do grande esforço das redes sociais em criar ambientes comuns e de "boa convivência". E a grande ironia é que quando o contexto em que a crítica é feita situa-se em cidade metropolitanas são os próprios críticos quem promove a segregação, em seus mais variados níveis. Um exemplo irrefutável da promoção do individualismo e combate à vida coletiva são os condomínios. 
Há condomínios pedantes onde é expressamente proibido dividir a churrasqueira e o salão de festas com pessoas diferentes (ainda que morem no mesmo edifício) àquelas que os reservaram; em outros é proibido, igualmente, o som musical; em outros existe o cúmulo da etiqueta que diz que é falta de educação ou indelicado não possuir carro e, assim, ter que cumprimentar o porteiro. Quando não é esse extremo elitista, os condomínios são a representação do descaso dos moradores com suas áreas comuns e sua administração.
Ontem, em um esforço monumental, fui comprar pão em uma das mercearias dentro do condomínio. Não é estranho vir a proprietária da mercearia em fofocas contra a administração dos prédios - está sempre insatisfeita com alguma coisa, mas não questiona a razão do síndico geral estar se perpetuando no cargo - e menos estranho ainda ter alguém ouvindo as conspirações e fofocas que elas (e os ouvintes) são incapazes de levantar em uma reunião de condôminos (atitude que não é nada estranho depois que se constata que a maioria dos sergipanos não possui atitude nem força de vontade para promover mudanças significativas em suas vidas). E enquanto eu escolhia minhas compras puder ouvir que a problemática agora é a terceirização dos serviços de portaria e os preços cobrados pelas empresas.
A dona da mercearia estava indignada por o síndico indicar a empresa mais cara para "abrir e fechar o portão". Indignada, mas sem atitude eficaz. Concordo com os fofoqueiros sem atitudes quando se questiona os preços das empresas terceirizadas, do acúmulo de ações trabalhistas contra o condomínio, das dívidas com as empresas fornecedoras de água e energia. O que eu acho estranho, e isso desde sempre, é de o atual síndico nunca receber concorrência nas campanhas e de, quando há, os candidatos opostos simplesmente retirarem, sem explicações, suas candidaturas. Mas não tenho poder de voto nem assento nas reuniões de condôminos, daí o que me resta é observar as movimentações como a da mercearia. 
O assunto do balcão não saiu e a empresa mais cara para "abrir e fechar o portão" certamente será contratada, fazendo subir o preço do condomínio. 
E essa falta de atitude, fora ser característica sergipana, é um mal de se morar em condomínio, onde cada um cuida da sua vida ainda que cada apartamento seja uma célula em um organismo muito maior. Parece que ninguém enxerga isso.
Nesse condomínio, de pobres e classe média baixa, a cultura do individualismo prejudica mais que ajuda em alguma coisa - muito diferente do que ocorre em condomínios de classe média alta e de rico, rico mesmo. 
E então alguém ainda pode falar, em toda a região metropolitana de Aracaju, com tantos condomínios pedantes e ineficientes, que os -ismos que torna o homem moderno arrogante e superficial é um problema apenas de parte da sociedade ou de caráter de alguns? É óbvio, analisando a dinâmica dos conjuntos de apartamentos que os -ismos não é um mal ajustável e menos ainda inerente à sociedade atual. É mais um problema de ações pró-ativas, de atitudes convictas e de diálogos entre os indivíduos. 
As reclamações sobre individualismo morrem ao cair no colo de uma coletividade criticamente morta.
Acabei pagando minhas compras sem dizer palavra alguma ante os discursos vazios que ouvia. Amanhã, com sorte, aparecerá outra história ou a continuação dessa, com outros ouvintes (já que acredito que o de ontem jamais voltarão à mercearia - ninguém gosta de conversa paralela nesse condomínio pobrinho) e eu não terei que ouvir.
Sexo oral não faz meu estilo - como bem proclamava a Legião Urbana.

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