Desprezo em arquivo



Então a noite entra pelo relógio adentro e o calendário muda a folha do dia. Algumas coisas aparecem e outras desaparecem. Outras, ainda, nem somem. Só crescem. Uma delas, sem esforço, é o desprezo. Uma indiferença tão grande que rompe a linha entre o ontem e o hoje, do amor e do ódio, do caso e do acaso.
Um desprezo que emana de todos os poros e embebeda o ser desprezado. Faz esquecer que existe desprezo e liberta o corpo e a mente. O ser desprezado, inocente, não sabe o quanto mal corre respirando, ou se aproximando.
Desprezo é arte. É estarrecedor. É docilmente cruel. É ridículo. É recompensador.
Assim, entre os amores que a vida traz de presente, o desprezo que se cultiva no lado esquerdo do peito é a expressão mais clara da oposição insana que é a falta de amor próprio que os poetas chamam vulgarmente de paixão, ou mais feio ainda de amor.
Os números digitais do relógio evidencia a frieza guardada, o ócio do ódio, a raiva fermentada e destilada em uma mente que dorme em arquivos de caixas subconscientes, sempre prontas para serem abertas no momento e na situação ideal.

O desprezo, sem dúvidas, é todo o castigo que a morte súbita rouba dos facínoras, ou dos seres desprezíveis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Reunião de faces

Maníaco do Parque: entre o personagem e o homem

Nada além do que virá