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As dores dos que passam

Sentado no banco da praça Luiz Nogueira, olhando para a igreja católica do século XVIII, penso no que pode estar se passando da cabeça dos transeuntes.  O homem com relógio dourado, celular à mão e envelope de papel pardo embaixo do braço passa conversando com alguém que ficou à porta de alguma loja.  Os mototaxistas, esperando um cliente, estão jogando conversa fora. A mesma conversa de todos os dias? Os vendedores do varejo de uma cidade pequena onde todos se conhecem tentam sobreviver ao tédio, ao ostracismo de uma profissão fadada ao enriquecimento de alguém cujo nome é conhecido, mas desprovido de rosto. Os trabalhadores de uma obra pública são os únicos estrangeiros que quebram a rotina de um povo que se ocupa apenas em sobreviver em horário comercial. Olho para todos os que passam entre carros, pessoas, bancos e árvores e imagino o que lhes pode provocar aflição, tristeza, desânimo, profundo mal-estar consigo. Quantos, neste exato momento, podem estar desejando o fim de...

Re-seleção social

Há quem diga que ficar em casa é ruim. E a maioria que fala isso está nas classes econômicas c,d, e e são muito suscetíveis à influência da mídia sensacionalista. São pessoas que têm dificuldade em reconhecer um livro ou não sabem exatamente o que fazer com ele quando tem um na mão. Desesperam-se por nada e escondem seus problemas reais com fanatismos e achismos temperados com lives, como virou moda entre os cantores populares do Brasil. O povo, os pobres que creem-se ricos e os miseráveis que creem-se classe média, estão apalermados entre declarações desconexas de um Presidente sem noção de tempo e espaço e os comentários dos novos biomédicos que surgiram com a pandemia e que são formados nas faculdades de redes sociais. O que atemoriza essas pessoas não é o medo de infecção pelo novo coronavírus. É a realidade exigir cada vão detalhe que faz de vidas insignificantes a rotina do trabalho servil. Casamentos falidos que se sustentam pelo distanciamento, viciados que não podem esco...

Temores

Quantas batalhas fracassadas você venceu? Quantas guerras inúteis precisou batalhar? Quantas foram as tentativas vãs de expressar uma alegria artificial? Quantos de si precisou ser para sobreviver a injustiças, a amores ingratos, a palavras soltas? Quantas interrogações sem respostas? Quantas cartas de despedidas? Quantas tentativas de suicídio? Quantos cortes na pele? Quantas lacerações no espírito? Quantas igrejas? Quanto  fé perdida? Quantas crenças efêmeras? Quanta opressão? Quantos inimigos? Quantos amores eternos? Quanta consideração? Quanta fome? Quanta vergonha? Quanta humilhação? Quanta inveja? Quanto barulho ignorado? Quanto de si foi ignorado? Quanto suor desperdiçado? Quantas traições? Quanto silêncio?

Desprezo em arquivo

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Então a noite entra pelo relógio adentro e o calendário muda a folha do dia. Algumas coisas aparecem e outras desaparecem. Outras, ainda, nem somem. Só crescem. Uma delas, sem esforço, é o desprezo. Uma indiferença tão grande que rompe a linha entre o ontem e o hoje, do amor e do ódio, do caso e do acaso. Um desprezo que emana de todos os poros e embebeda o ser desprezado. Faz esquecer que existe desprezo e liberta o corpo e a mente. O ser desprezado, inocente, não sabe o quanto mal corre respirando, ou se aproximando. Desprezo é arte. É estarrecedor. É docilmente cruel. É ridículo. É recompensador. Assim, entre os amores que a vida traz de presente, o desprezo que se cultiva no lado esquerdo do peito é a expressão mais clara da oposição insana que é a falta de amor próprio que os poetas chamam vulgarmente de paixão, ou mais feio ainda de amor. Os números digitais do relógio evidencia a frieza guardada, o ócio do ódio, a raiva fermentada e destilada em uma mente que dorm...