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Condomínios sempre são favelas

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Obra: 1886. Perkins Harnly. Metmuseum.  Prédios, por mais sofisticados que possam parecer, é apenas uma releitura dos barracos de papelão e sucata que outrora fizeram os morros ocupados indevidamente serem chamados de favela. Se nos barracos de tijolos, papelão e sucata que vemos nas periferias de grandes metrópoles não há privacidade, dignidade e vida digna não é em sofisticados barracos que esses critérios de sobrevivência são encontrados.  É bem verdade que quanto mais você gastar em um barraco sofisticado, comumente chamado de apartamento, mais terá um distanciamento do seu vizinho da frente, de cima e de baixo e poderá viver em um submundo psicodélico em que quanto mais alto for o seu barraco mais "rico" será entre os seus pares. Doces ilusões criadas pelas imobiliárias e incorporadoras para justificar o empilhamento de seres humanos a preços altíssimos e com pouquíssima liquidez do dito imóvel. Nas favelas os vizinhos se conhecem, sabem o que acontece nas imediações...

O ódio da mulher ressentida

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  Fonte:  Portrait of a Woman. Netherlandish Painter (ca. 1540–50). Metmuseum Há um ódio cultivado nos espaços físicos e virtuais que é sentido e muito pouco comentado. Trata-se do ódio feminino contra outras mulheres e contra toda a comunidade LGBTQIAPN+. Um ódio tão escancarado que deixa o observador menos atento horrorizado com tamanha ousadia odienta.  Protegidas por discursos construídos para protegê-las mesmo diante das mais absurdas barbaridades que cometam, as mulheres começam a se tornar opressoras, à semelhança do seu opressor do passado. Não aceitam as escolhas dos homens em assumir sua identidade de gênero e as suas preferências sexuais; não aceitam a independência de outras mulheres, a despeito da idade, da aparência e/ou da profissão; não aceitam não serem mais as escolhidas para a convivência por conveniência social. Os homens, mais livres do machismo perpetuado pela mulher no processo de construção da identidade social, aceitam, falam e agem como...

Anestésico musical

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Warrior and Attendants. Séc. 16-17. Metmuseum.   O plano de destruir a cultura popular, não exclusiva apenas dos governos de centro e extrema direita, parece estar seguindo o caminho do sucesso. Entre músicas fáceis de decorar e reproduzir e subcelebridades instrumentalizadas no desmonte institucionalizado, nos diversos níveis de governança, não há mais letristas que retratem a vida do pobre e a hipocrisia de uma sociedade doentemente religiosa, como se sabe em Construção e Geni e o Zepelim de Chico Buarque ou Faraó, eternizada na voz potente de Margareth Menezes.  Não querem que o pobre pense e reflita sobre si e suas condições de vida. Não é interessante para os políticos que se mantém no poder no planalto central ou nas casas de poder "popular" dos governos subnacionais. Não se ouve mais nada semelhante a 2 de junho, de Adriana Calcanhotto, Bichos Escrotos, dos Titãs, ou O tempo não para, do Cazuza, nos meios de comunicação e na boca do povo. Em meio a tragédias ambientais...

Entre camadas

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Foto: Queen Mother Pendant Mask: Iyoba. Met Museum Sob as várias camadas de padrões comportamentais exigidos no trabalho, na organização religiosa, nos círculos sociais físico e nos virtuais, quem é você? Quantas enfermidades, físicas e mentais, você desenvolve apenas por fingir, continuamente, ser quem não é? Seus preconceitos, suas vaidades, seus defeitos, suas idiossincrasias negativas, seu lado negativo, seus arremedos intelectuais, seu fascismo interior, seu nazismo cultural, sua cruzada pessoal em direção ao lugar seguro em que os horrores pensados podem ser verbalizados, sua projeção real distorcida e deformada é o que você é. Tudo isso é o que você é. Empurrar uma criança na rua que se joga ao chão fazendo birra, odiar os parentes velhos por toda uma vida de injúrias e opressões, orfanar-se de pais cruéis, detestar filho, desprezar animais, consumir como se não houvesse amanhã todos os bens úteis e inúteis possíveis, deixar-se viciar e ser viciado nos sexos, aduzir-se em pr...

A extinção do interessante

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Figura: Bronze statue of a man. ca. mid-2nd-1st century BCE. MET Museum As pessoas interessantes parecem ter desaparecido no mar de reações virtuais dos aplicativos de relacionamento. Tornaram-se extintas, ao que parece. E é esse movimento de extinção de pessoas interessantes o último bastião antes de nos tornarmos ignorantes social, política e estruturalmente. Viciadas em textos de, no máximo, dez caracteres e imagens explicitamente autoexplicativas, as pessoas são apenas números autômatos que reagem ao menor ruído. E sequer se dão conta disso. Não se vê mais paixões por obras literárias, músicas e letristas, leitura e releitura de pinturas, fotografias e filmes. O que se vê, produzido em linha e em um processo contínuo, é simplesmente a reprodução desproporcional e desconfigurada de produtos construídos para e com a artificialidade das máquinas.  E não que utilizar a máquina seja ruim. O próprio desenvolvimento humano requer novas ferramentas e novas formas de interagir...

A conveniência do assistencialismo climático

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 A conveniência da ajuda em situações de desastres socionaturais serve à manutenção da ideologia política e dos diferentes projetos de poder e dominação que se quer implantar em uma área. No Brasil, país altamente racista e com um modelo de viver escravagista, isso não seria diferente.  Na polarização entre aqueles do sul e aqueles do norte, entre a direita e a esquerda, entre pobres e pobres-que-se-sentem-elite-social há um abismo de venenos e oportunismos. E não custa muito para perceber a seletividade do "amor ao próximo" e da "empatia".  Segundo o DW, o nordeste do Brasil também sofre com enchentes e desastre socionatural.  No outro extremo do Brasil, no estado do Maranhão, pelo menos 30 municípios já decretaram situação de emergência devido às chuvas que atingem o estado desde abril, de acordo com informações confirmadas pela Defesa Civil. Mais de mil famílias estão desabrigadas, e quase 3 mil pessoas, desalojadas. Até o momento, foi registrada uma morte. A Def...

Empatia ambientalmente racista

 Empatia, no Brasil, às vezes, é sinônimo de racismo ambiental.  E não é a mera polarização norte-sul, esquerda-direita, branco-negro, rico-pobre. É um projeto de civilização que transcende as dicotomias, embora as use como justificação cotidiana.  Quando as regiões centro-oeste, sul e sudeste enfrentam desafios e tragédias todo o o país é instado a ter empatia. E exclamações como: "Pessoas sem empatia só fala em política em horas como essas" e "Aqui também tem gente de bem" e suas variações pululam em redes sociais, jornais eletrônicos e telejornais. É quase como se a humanidade fosse representada exclusivamente por essa parcela da população brasileira, sempre um passo próximo dos melhores e mais nobres sentimentos da humanidade. Então, quase que uma obrigação, tal qual acontece com a necessidade colonizadora de manter o batismo forçado de crianças na igreja católica, todos "devem" ajudar e se compadecer. Se fosse um recorte isolado, seria até convincente...