Condomínios sempre são favelas

Obra: 1886. Perkins Harnly. Metmuseum.

 Prédios, por mais sofisticados que possam parecer, é apenas uma releitura dos barracos de papelão e sucata que outrora fizeram os morros ocupados indevidamente serem chamados de favela. Se nos barracos de tijolos, papelão e sucata que vemos nas periferias de grandes metrópoles não há privacidade, dignidade e vida digna não é em sofisticados barracos que esses critérios de sobrevivência são encontrados. 

É bem verdade que quanto mais você gastar em um barraco sofisticado, comumente chamado de apartamento, mais terá um distanciamento do seu vizinho da frente, de cima e de baixo e poderá viver em um submundo psicodélico em que quanto mais alto for o seu barraco mais "rico" será entre os seus pares. Doces ilusões criadas pelas imobiliárias e incorporadoras para justificar o empilhamento de seres humanos a preços altíssimos e com pouquíssima liquidez do dito imóvel.

Nas favelas os vizinhos se conhecem, sabem o que acontece nas imediações, sofrem juntos (querendo ou não) pela falta de infraestrutura e pelo velado preconceito que lhes é dirigido todos os dias. Nos condomínios os vizinhos brigam porque ouvem o casal do lado gemendo durante a noite; porque não querem pessoas negras no mesmo prédio; porque a porta da área comum bateu ou porque foi à piscina e, imagine!, havia outro condômino (nome chique para favelado com mais de um salário mínimo) na mesma piscina e no mesmo horário. 

De um lado as pessoas tentam sobreviver sendo humanas e reais. Do outro elas fingem viver criando e mantendo preconceitos que as distanciem do outro em um mundo "seguro". 

Condomínios, por mais caros que possam ser, não passam de cubículos que mimetizam a estigmatizada favela, só que sem a humanidade dos excluídos. 

Horríveis construções, esses prédios vendem a ideia de uma cidade moderna e sustentável. Nada poderia estar mais longe da verdade. Um cubículo que nunca será efetivamente do proprietário, que não tem liberdade de ser ou de estar. Regras que ditam a cor da parede da varanda; da obrigatoriedade de não manifestar a individualidade para a comunidade próxima; de não poder receber visitas ilimitadamente ou de ter animais e saúde. Tudo em nome de uma diferenciação que recebe nomes justificáveis pelo capitalismo da moradia: segurança, bem-estar, comodidade. 

Terrível cenário citadino em que o ser humano é apenas ferramenta, nunca ser consciente de si na paisagem ocupada. 

É por isso que sempre que minha vizinha de cima limpa o banheiro eu sei que ela vai receber visitas de rapazes - nunca o mesmo, mas sempre com automóvel e com lanches. Na mesma situação, há outros vizinhos que mantém a mesma rotina de viagem e sempre em um dado dia, no mesmo horário, está lá esperando o carro alugado por aplicativo. Outro sempre pede alimentos na mesma lanchonete e não sem surpresa, somente um apartamento recebe encomendas pelo correio em uma constância que deve irritar o carteiro. 

Nenhum deles se dá conta que são rotineiramente entediantes, previsíveis e sem a liberdade do anonimato das ações que somente uma casa térrea e individual pode proporcionar. 

As pessoas, mesmo que busquem não ser, são faveladas. Com outra roupagem, com novos nomes, em endereços unificados por prédios superpopulosos e inescrupulosamente desagradáveis - mas sempre faveladas.  

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