Postagens

Sob o olhar Dela

 Nuvens de chumbo cobrem a terra. Ventos em todas as direções.  Vozes silenciadas em respeito à imponência Dela. E lá está, entre nuvens acinzentadas, água em multiestado, ventos frios e ditosos.  Nenhum som se eleva. Nenhum filho se curva ao asfalto, ao abstratismo do capital alheio, ao querer dos que nada sabem o que querer.  Esperando a água indomável, os metais estão recolhidos em meio à atmosfera da lavagem celeste. Os guerreiros param de súbito.  Os viventes, devagar, caminham.  É dia de Exu passar em revista nas encruzilhadas do mundo. E entre tantas divisas, lá está Ela.  Eparrey!

Você é só pobre

Você é pobre! Um mero e descartável capacho do sistema produtivo capitalista que o coloca dentro de um conceito hermético de indivíduo, onde nem mesmo cabe a si.  E aí está você, rolando infinitamente a tela do seu smartphone , nunca o aparelho adequado, jamais localizado onde gostaria e em uma rotina capaz de suprir apenas as necessidades de uma Organização e de um fluxo produtivo pensado para satisfazer os desejos dos ricos, não sua mera expectativa de viver.  Aliás, pobre como você é, crê ainda que vivendo em uma região metropolitana, respirando o ar poluído continuamente expelido por automóveis, fábricas e cigarros, comendo fast-food e vestindo andrajos que simulam marcas reconhecidas na Fashion Week   chegará em algum lugar. Só não se tocou ainda que quando precisa de atendimento hospitalar precisa enfrentar longas filas, habitadas por outros tantos pobres que reconhecem que a caminhada pela selva de concreto e asfalto não leva a lugar algum, e quando precisa ser at...

Decolonialidade a serviço do colonizador

 Os países periféricos são periféricos por obra e domínio contínuo das suas antigas Metrópoles que mantém laços de poder cultural, político e econômico sobre os pobres dos países colonizados. Esses pobres, infelizes e condenados por nascença, sem direito a saneamento básico e sem renda suficiente para a promoção da qualidade de vida e da dignidade humana estão fadados a serem fantoches viciados em redes sociais. Isso não é novidade e os números de seguidores, que agora definem o sucesso profissional daqueles que se sentem amados e admirados pela irrealidade de uma rede de haters que os seguem, e do aumento de influenciadores digitais que se gabam de não conhecer nada além do alfabeto nativo e de pouco dominar a própria língua, são o retrato de uma paisagem complexa e que está além da compreensão desses pobres-diabos que mal acordam e se põem a rolar infinitamente uma tela de smartphone .  Agora, enquanto a educação continua sendo precarizada e a força de trabalho anestesiada ...

Sob o olhar invasivo do tempo

 Um resto de coca-cola em uma xícara branca, um sanduíche frio ainda na embalagem, um ventilador barulhento a roda de um lado a outro, músicas ao fundo.  Sou eu em um vórtice de um cansaço enquadrado em limites impostos sobre argumentos dispensáveis, refutáveis, incoerentes. O chão, branco, está limpo, ao menos.  Lá fora, mais ventilado que cá dentro, há rumores de uma vida pausada e nunca pensada, jamais observada de lado, como os gatos fazem quando estão curiosos.  Ouço Chico Buarque e o tempo parece pular pela janela meio aberta deixando uma sujeira sutil na parede onde se apoiou.  O tempo chegou. Hora de partir sob o olhar do tempo. 

A maldição do crente

 Em uma conversa via aplicativos de mensagens instantâneas eu disse De todas as coisas pra se ter em casa, o crente é a pior delas A fome, a peste, a pobreza, as maledicências, o mau gosto, a breguice, a ignorância, as doenças mentais, as brigas, os relacionamentos falidos, os suicídios... tudo isso e mais um pouco são unidos pelo laço da palavra de um deus ficcional e encarnados na figura de um crente. Sempre que ficam com bateria baixa eles vão às suas portas comerciais de preferência, enchem-se de uma palavra nefasta e saem às ruas envergonhando a todos com suas aparências deprimentes e suas palavras vãs oriundas de uma interpretação torta daquele livro ensebado que carregam.  Não cu que não reparem. Não há embocetamento que não estejam no meio comentando.  E nada há o que fazer, por enquanto, do que tentar conscientizar as novas gerações do fracasso que esses crentes representam e da ameaça latente que efetivam sempre que podem.  A casa em que habita um crente ne...

Construto Pessoal

 Quando paramos e todas as necessidades mais básicas estão minimamente satisfeitas (ainda que por breve momento), o silêncio ocupa todos os espaços por dentro da nossa complicada mente e em todos os vértices do lugar em que nos encontramos. Amores são revisitados e passamos em revista aos nossos desejos e frustrações. Talvez por isso odiemos terrivelmente quem nos mostra nossas fragilidades e medos. No fundo, somos o que somos. Nem mais e nem menos. Somos um construto de tudo o que escolhemos fazer, ver, ouvir, dizer, ponderar, projetar.  E então, resolvida a questão do que somos, nada mais resta a problematizar além daquilo o que procuramos definir como o Eu-que-me-habita.   Dessa maneira, quando olhamos bem direitinho para o que fazemos, percebemos que buscamos demais por riqueza, concreta ou virtual, que nunca nos chega simplesmente porque não estamos dentro da casta que a detém, por natureza, nascimento ou privilégio. Procuramos fora o que não nos pertence e apri...

A misoginia - uma superfície

 A misoginia tem raízes cotidianas. Insinua-se em pequenos desentendimentos no trânsito, no trabalho doméstico e na formação educacional. Vai tomando forma com discussões acaloradas e sedimenta-se no comportamento geral de ambos os lados. Sempre esteve presente e continuará sob novas formas e novas roupagens até que se entenda que a questão do ódio sedimentado não é uma questão de gênero, mas da espécie. Questão de dominação, o homem busca seu domínio sobre homens, mulheres, crianças. O branco busca manter seu domínio sobre o preto, o branco, o amarelo, o cafuço e os demais. O hétero busca manter sua hegemonia sobre o gay, o bissexual, o transsexual, o travesti e as demais siglas. É sobre poder. Nunca foi sobre representatividade. Sob esse manto, há questões como a misoginia, que vê a superfície e jamais atinge a profundidade, seja por incompetência estrutural dos debatedores, seja pelo plano político que se desenrola no governo dos países a partir das comunidades. A utopia de um m...