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Trabalhador Brasileiro III

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Quando vemos aquelas campanhas publicitárias que querem nos levar a crer que há empresas comprometidas com o bem-estar dos stakeholders podemos até acreditar, mesmo sabendo que a verdade nunca esteve tão longe. E então, em épocas de pandemia, quando todos repensam a vida e o próprio papel no mundo, relatos como o que segue surgem. Eu gostaria de saber até quando a estupidez será aplaudida e o abuso e o assédio será uma constante na vida do trabalhador assalariado. Todo cuidado conta, Drogasil?

Trabalhador Brasileiro II

O trabalhador brasileiro não tem um dia de sossego. Quando não está em funções que lhe exigem abdicação de sua personalidade, de seu posicionamento e identidade, encontra-se em dilemas sociais provocados por uma demagogia. Ameaças de demissão constantes se não obedecer cegamente a ordens, por vezes antiéticas (beirando a ilegalidade) de gerentes e supervisores; e um sem fim de humilhações cotidianas que faz do brasileiro contemporâneo um negro africano ou um índio nativo, escravizados e destituídos de suas identidades e quereres. Se é intolerável a ideia de escravização de outros povos e de objetificação do ser humano em um passado não tão distante, o que dizer do mesmo movimento, sob a aceitação legal e cultural do descendentes miscigenados desses mesmos povos, ocorrendo hoje, neste exato momento? Na volta para casa depois de um dia de trabalho em que a gerente ordena o saque de clientes de forma clara e indubitável é possível encontrar outros trabalhadores que sofrem abusos morais...

Crônica de uma vida insuficiente XVIII

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Ilustração de Gabriela Santos.  Tem dias ensolarados que servem unicamente para originar e fomentar a  raiva pela humanidade, pela vida e tudo o mais que existe entre o presente, o passado e o futuro.  Há quem diga que somos os responsáveis por nossos sentimentos e paixões e que não devemos nos deixar controlar por eles; que devemos amar a todos e a tudo a todo instante e que ser grato é uma obrigação. Livros e livros de autoajuda e postagens em redes sociais tentam meter toda essa ladainha goela abaixo e ânus adentro de modo que nossos bofes adquiram em suas paredes vivas essas ideias. Então, quando acordamos com a pá virada, embucetados pelos reveses da vida ou simplesmente de mau-humor, com os bofes inchados de ódio e o sangue fervente de ira, mandamos logo para a casa do caraio, com dois ou três "cabruncos", toda a ladainha de good vibes e expurgamos todo o descontentamento como o corpo expulsa o álcool durante a ressaca. E deve ser assim, sempre. Por...

Pobretano I

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Ilustração de Gabriela Santos. Muita gente vive entre vielas e favelas. Uns olhando de suas Torres de Marfim, outros entre esgotos a céu aberto, mosquitos, fedores e pestilências diversas. Em comum ambos têm a incapacidade de ver a realidade como ela é, no nível exato de degradação e injustiça. À parte toda a política e mazelas sociais e econômicas do miserável, tem-se a peculiar situação em que da lama, literalmente, sai o estado da arte de se viver e, vez por outra, a comédia faz-se presente. Ontem mesmo limpei a casa e joguei, em duas grandes sacolas de lixo, materiais inorgânicos e que para mim não havia serventia. Como todo pobre, deixei para colocar o lixo na calçada à noite uma vez que sem orgânicos os gatos, cães e cavalos não iriam espalhar, como sempre, todo o conteúdo rua à fora. De repente, enquanto eu vagueava pela Internet ouvindo o Biquíni Cavadão, ouvi vozes, risos e gritos de crianças muito próximo. Saí à porta e me deparo com parte do meu lixo jogado n...

Trabalhador Brasileiro I

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O trabalhador brasileiro continua sendo o capacho que esconde a sujeira das elites e serve-lhe de massageador de egos. E parece que a situação do humilhado trabalhador brasileiro anda ruim (quer dizer, pior do que já era) nesses tempos de vírus faxineira. As vagas de trabalho que tanto iludem o desempregado deixaram de pedir anos de experiência e o mero inglês. Agora você precisa amar as pessoas, ter veículo próprio, morar ao lado da empresa, ser feliz e ter sonhos. Em troca o candidato poderá receber como benefício um salário questionável e a oportunidade de trabalhar 44 horas semanais e ser contratado como pessoa jurídica. O cenário é deprimente e brinca com a inteligência do mais ignorante candidato. Ser feliz? Amar as pessoas? Detectar e resolver problemas que a gerência sequer é capaz de compreender? Aceitar assédio e humilhações de empregadores que sequer sabem o português mais básico e que exigem do candidato um intelecto superior para desempenhar funções robót...

Crônica de uma vida insuficiente XVII

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Aceitar a verdade que habita o outro tem sido um fator causador de problemas porque o outro tem convicções próprias, desejos e pensamentos que precisam ser validados em ações e no relacionamento com a sociedade e nós, individual e introspectivamente, almejamos estar do lado "certo", com as ideias e pensamentos "certos", no lugar "certo". Queremos ser irrepreensíveis sendo abjetos. E perceber que o "certo" compartilha facetas individuais e coletivas corresponde a admitir, tacitamente, que em algum momento, sob algum ponto de vista, estamos ou ficaremos fora do seleto grupo dos "certos". Querer estar na guerra sem sentido da dualidade certo-errado é perder o bem mais precioso que temos na encarnação - o tempo. Que os Deuses discutam e digladiem-se pela hegemonia estabelecendo quem é ou deixa de ser do bem ou do mal. A nós, encarnados, cabe a tarefa de observar e não lutar uma guerra alheia. Mas há quem esbraveje suas n...

Crônica de uma vida insuficiente XVI

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Ilustração de Gabriela Santos. Sempre seremos insuficientes se não nos bastarmos. Os empregos, os relacionamentos, as amizades, os médicos, os psicólogos, os bancos, os clientes, a sociedade - todos dirão e mostrarão continuamente que não somos suficientes. Sempre vai faltar um curso a mais; um pouco de atributos aqui; uma subserviência ali; uma fé cega acolá. Sempre vai faltar um degrau para a dignidade e para a salvação da alma. Sempre precisaremos de mais uma prova, moral ou acadêmica, para mostrar que somos o produto certo. Sempre teremos que ser o que o outro espera e não expressa. Sempre será assim a menos que tenhamos a coragem de quebrar a roda que nos oprime e ser o suficiente para nos bastar. Nossas falhas e desejos só dizem respeito a nós mesmos e provas não nos servirão quando nosso olhar crítico voltar-se para nossa vida, nossas escolhas, nosso estado da arte. Precisamos nos bastar para que possamos ter a consciência tranquila de quem viveu para si e po...