Crônica de uma vida insuficiente XVI

Ilustração de Gabriela Santos.


Sempre seremos insuficientes se não nos bastarmos.
Os empregos, os relacionamentos, as amizades, os médicos, os psicólogos, os bancos, os clientes, a sociedade - todos dirão e mostrarão continuamente que não somos suficientes.
Sempre vai faltar um curso a mais; um pouco de atributos aqui; uma subserviência ali; uma fé cega acolá.
Sempre vai faltar um degrau para a dignidade e para a salvação da alma.
Sempre precisaremos de mais uma prova, moral ou acadêmica, para mostrar que somos o produto certo.
Sempre teremos que ser o que o outro espera e não expressa.
Sempre será assim a menos que tenhamos a coragem de quebrar a roda que nos oprime e ser o suficiente para nos bastar. Nossas falhas e desejos só dizem respeito a nós mesmos e provas não nos servirão quando nosso olhar crítico voltar-se para nossa vida, nossas escolhas, nosso estado da arte.
Precisamos nos bastar para que possamos ter a consciência tranquila de quem viveu para si e por si e não para satisfazer os desejos e mesquinharias do mercado, da religião e do outro.
Precisamos nos bastar para sermos seres humanos de verdade e não fantoches que tudo aceita, crendo em ilusões alimentadas pela artificialidade de quinquilharias físicas e virtuais.
Precisamos nos bastar para que entendamos que somos nossa própria definição.
Precisamos nos bastar.

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