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Mundo oceânico

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O mar em abstrato de Ana Paula L. O mundo é um oceano com águas espumantes, de um sal libertador, inebriante, que traz à tona a razão e o amor, o próprio, o egoísta, aquele que nos move a ir a diversões individualistas, a gostar de estar só, lendo um livro. Nesse oceano, cabem corações, cabem caixas, cabem satisfações, cabem noites em claro. Cabe você em resumo e em expansão. Partículas de água que trazem a emocionante racionalidade do não-cometimento de velhos erros, antigas mancadas que aconteceram na busca pelo acerto, por não fazer outrem sofrer ou chorar, por não querer partir, precisando estar longe – na pior distância: a emocional. A água, salgada, que banha o corpo também é a mesma que tem estrelas que encantam as que brilham, é o fluido que corre entre veias e escapa nos olhos. Água salgada que leva para longe a tristeza e deixa, lavada, a lembrança mais bonita, a foto mais ímpar de duas faces, dois lugares, dois mundos. Na seguridade da areia, onde todos ficam, ...

Ainda é possível

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Às vezes, é possível que exista uma letra de música que martela na cabeça durante a noite, ou um poema que surge com rosto definido. É possível que apareça olhos sorridentes entre vírgulas e pontos, letras e rimas, acordes e melodias. É possível que esteja partido o sentido íntimo que faz surgir tais coisas, sem restar nada além de pedaços, folhas rasgadas, cores desbotadas. E esse é um estado em que ocorre o verdadeiro autoconhecimento, aquele que faz você não chorar por mágoas passadas, mas entende-las e cuidar das suas próprias feridas como um animal inocentemente agredido por facínoras. É nesse estado que ódios oriundos de amores são extintos, que a poesia deixa de ser melancólica e o ar mais leve. Nesse espaço em que só cabe um, você mesmo, o mundo começa a sua longa e demorada reconstrução, mais experiente, mais vivo, mais limpo. E quando a face há muito conhecido atravessa o tempo e ultrapassa seu querer, surge uma nova arte: a de gostar sem a passionalidade do amor-ódio de...

Desprezo em arquivo

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Então a noite entra pelo relógio adentro e o calendário muda a folha do dia. Algumas coisas aparecem e outras desaparecem. Outras, ainda, nem somem. Só crescem. Uma delas, sem esforço, é o desprezo. Uma indiferença tão grande que rompe a linha entre o ontem e o hoje, do amor e do ódio, do caso e do acaso. Um desprezo que emana de todos os poros e embebeda o ser desprezado. Faz esquecer que existe desprezo e liberta o corpo e a mente. O ser desprezado, inocente, não sabe o quanto mal corre respirando, ou se aproximando. Desprezo é arte. É estarrecedor. É docilmente cruel. É ridículo. É recompensador. Assim, entre os amores que a vida traz de presente, o desprezo que se cultiva no lado esquerdo do peito é a expressão mais clara da oposição insana que é a falta de amor próprio que os poetas chamam vulgarmente de paixão, ou mais feio ainda de amor. Os números digitais do relógio evidencia a frieza guardada, o ócio do ódio, a raiva fermentada e destilada em uma mente que dorm...

Uma escultura, um cuidador/guardião e um tentador

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Toda escultura precisa ser cuidada por um artista, independente do tipo de trabalho que este faz. Precisa ter seus desejos, inclusive os inenarráveis, satisfeitos. Precisa ser satisfeita de tantos modos e por tantas maneiras diferentes que apenas os que realmente conhecem, por hereditariedade, a matéria pela qual foi feita a inigualável escultura é que pode realizar proezas colossais em nome da satisfação pessoal e íntima de determinadas obras primas. Em verdade, são fáceis de serem agradadas, mas somente poucos têm a capacidade de fazer verdadeiras artes em cima da criação, tornando-a, em muitos casos, em nova e melhorada obra de um terceiro artista, o cuidador. O ato de cuidar, satisfazer, despertar os instintos e a curiosidade não é exatamente um dom que pode ser dito como popular, pois nem todos os que desejam possuem, naturalmente, os elementos necessários à satisfação, ao cuidado, ao despertar instintivo e à curiosidade de majestosas criações. Entretanto, há alguns que t...

O reinado do Atual e do Ex

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Arte: Sunrise, George Inness, 1887. Metmuseum Atual e Ex são duas espécies que são, por ordem das convenções sociais, arqui-inimigos ferrenhos que estabelecem, na pirâmide social, o papel excêntrico de inimigos que se amam e que têm em comum um objeto de consumo: as lembranças, as brigas e os segredos públicos entre dois indivíduos, que, sem muito esforço, se tornaram três (ou quatro, depende muito das circunstâncias). São seres que desempenham a nobre arte do ciclo vicioso de falar mal, intrigar e reconciliar. Ciclo sem fim que só se acalma com o correr do tempo e das novas armações da vida. O Atual é o calor recente da sacanagem que escorre entre peitos, pernas, bocas e estradas durante uma parte relativamente curta da vida do ser em questão. O Ex é o calor que aquece mesmo durante o reinado do Atual e que durará para sempre, mesmo que ninguém considere aceitável. Dos triângulos, quartetos, que se formarem durante a vida, a graça não está no fim, tampouco no começo, mas na ...

O homem nas fibras

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A computação, lá em suas origens, não era um computador, nem tinha um compilador para mostrar o quão errado era a lógica desenvolvida para mostrar uma matriz.  No passado, o ato de computar era bem mais fácil e simples (talvez) e bem mais proveitoso, uma vez que mostrava o quão bom era calcular. Mas, de repente, o homem ganhou as asas da imaginação e começou a inventar, a complicar os métodos para simplificar as ações cotidianas e uma parcela colossal da humanidade não sabe exatamente como funciona a tecnologia e de como é intenso o processo de concepção das facilidades disponíveis no mercado. E, por outro lado, computação, na simplicidade dos cálculos e da vivificação de materiais inanimados, é a tradução do poder de criação do homem em uma linguagem capaz de estabelecer a diferença entre usuários e criadores, com uma criatura extremamente depende de energia e hardware entre os dois. Longe das origens, a computação corrói os neurônios de desenvolvedores – amantes da a...

Um poema despretensioso

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Arte: Winter Trees, Reflected in a Pond, William Henry Fox Talbot. Met. Vermelho, Verde, Azul Vermelho O batom desnecessário da sua boca Os lábios que ornam um belíssimo rosto Os olhos que iram-se e choram As Lágrimas que não eclodem A paixão incontida A incontinência do tempo Azul, Verde, Vermelho Verde Que não são dos olhos teus - e que bom que não são teus olhos verdes A grama que chama-nos ao sono ou à carícia O carinho que nos adormece A dormência do prazer O gozo da felicidade Verde, Azul, Vermelho Azul Do seu Céu Da sua íntima roupa Dos fios do seu pudor Despudorada inteligência Azul sem tom Tom sem Jobim Vermelho, Azul, Verde Cada cor em sua pele A cútis de agrado aos olhos Os olhos que sorriem Aluz dos olhos A janela do Arco Ora íris, ora Ília