Déjà vu alimentício


Quadro: Natureza morta com maçãs e um pote de prímulas. Paul Cézanne. Metmuseum.


Um dia passado - e perdido no tempo e no espaço até hoje - eu estava fazendo um macarrão, o último do pacote, da cozinha, de todo o apartamento, e quando eu fui finalmente escorrer a água todo o macarrão caiu na pia, entre pratos e panelas sujas. E assim terminou a aventura do último macarrão do mês.

E a vida se repete, em proporções diferentes e de muitas formas.

Então, considerando o presente qualquer dia após o último macarrão - anos depois, claro - eu estava fazendo um ovo frito quando, de repente, encosto na panela e todo o ovo é jogado na parede, que escorre pelo revestimento cerâmico e de forma macia se espalha pelo chão, deixando um cheiro de ovo pela casa e um lindo exercício de contenção de estresse. 

Olhando para a mistura de clara, gema e sal como se olhasse para pessoas desagradáveis que encontro inadvertidamente na rua, não há repulsa, nem ódio, nem surpresa, nem lamentação. Apenas aceitação do fato ocorrido e irremediável. 

Assim se passa a vida cotidiana, entre pequenos acidentes domésticos que marca a vida, a casa, a hora do almoço. Marcas que ficam na pele, na parede - da casa, do coração e da mente -, no chão. O segredo que as expressões guardam são infiéis a si. As expressões inadvertidas traem a todos. Ninguém está livre do arbítrio dos eventos. 

Se eu juntar o tempo e o espaço, posso tomar a água que caiu no chão da sala outro dia e me alimentar com o macarrão e o ovo que caíram no chão em dias, lugares e horários diferentes e tão díspares. 

E, desse modo, vou levando a vida - entre Déjà vú e aprendizados aleatórios. 

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