A Gatinha do 101

Se você achar de entrar no bloco A do cortiço não vai se espantar com a infraestrutura deficiente do prédio, a menos que você venha dos condomínios do Jardins, da 13 de julho ou, no mínimo, do outro lado da rua. E aí então irá se horrorizar com o descarte do lixo, com os portões feios, com a falta de segurança, com as roupas penduradas nas janelas para secar, com a bêbada do outro prédio e suas músicas e com as estranhezas gerais do lugar.
Subindo o primeiro lance de escadas e virando para o próximo corredor verá uma porta cor caramelo, um tanto moderno (visto o restante das portas) e um tapete capacho felpudo logo abaixo. E se tiver sorte vai encontrar a Gatinha do 101, com olhos gigantes e amarelados, fofinha, olhando quem sobe e quem desce, sempre impassível.
Quando começaram a deixa-la solta algumas minutos por dia ela acabou ficando com medo das pessoas e corria vez ou outra. Com o tempo ela passou  a não se importar com as pessoas e ficou cada vez mais no meio do caminho, esparramando os pelos negros e olhando a insolência humana com aqueles grandes olhos amarelos.
A Gatinha do 101 é muito fofinha. Dia desses alisei-lhe os pelos enquanto ela me olhava e não tentava correr – só ficar parada. Linda e muito simpática, ela só sai à noite, para infelicidade geral do prédio, que só vê feiúras nas paredes e por trás das portas. E apesar de deixar que humanos morem consigo (e acredito que seja para não ter que lidar com o insolente do serviçal, o síndico), ela parece não sofrer embora acredite que ela poderia ser mais feliz com mais espaço e mais ar puro.

Se vier a esse cortiço, portanto, não esqueça de tomar cuidado ao subir a escada do primeiro andar para não pisar-lhe o pelo. Afinal, a pouca beleza do bloco é patrimônio de todos, ainda que habite só um apartamento.

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