A bêbada do outro prédio

Square House, Amsterdam
Quadro: Square House, Amsterdam.
James McNeill Whistler. 1889.
Às 15h a bêbada do outro prédio liga o aparelho de som e programa-o em três músicas, da Elis Regina e da Alcione (de vez em quando aparece também o Belchior), e começa, então, o suplício dos moradores do cortiço vermelho. As mesmas músicas são repetidas indefinidamente enquanto a bêbada consegue andar ou ter consciência e isso pode durar até dois dias, considerando as noites.
A bêbada não tem muita noção de tempo quando se entrega à depravação, à bebida e ao ócio. Tudo o que ela quer é ouvir as mesmas músicas, no último volume, e incomodar os vizinhos avisando-os, por meio de sinais diversos, que ela não está nem aí para as convenções sociais.
Não demora muito, a partir do momento em que o som é ligado, e ela começa a ter discussões ferrenhas com o marido (se for realmente marido). Palavrões e xingamentos dos mais vulgares saem pela janela dela e entram nas dezenas de janelas vizinhas. Uma forma muito interessante de avaliar o relacionamento alheio e o equilíbrio emocional é ouvir, ainda que involuntariamente, as brigas dos vizinhos do cortiço.
E entre O Bêbado e a Equilibrista e os xingamentos da bêbada (já que ninguém consegue ouvir o que o pobre marido diz) o dia vai passando e noite vai caindo. A bêbada ainda não conseguiu ser equilibrista e no caminho que vai se ela tentar ser vai acabar caindo de cabeça do segundo andar e se estrupiando na lixeira logo abaixo.
O cortiço nuna é calmo o suficiente, mas quando a bêbada está em casa e disposta a fazer um bom barraco não tem Alcione que dê jeito.

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