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A Gatinha do 101

Se você achar de entrar no bloco A do cortiço não vai se espantar com a infraestrutura deficiente do prédio, a menos que você venha dos condomínios do Jardins, da 13 de julho ou, no mínimo, do outro lado da rua. E aí então irá se horrorizar com o descarte do lixo, com os portões feios, com a falta de segurança, com as roupas penduradas nas janelas para secar, com a bêbada do outro prédio e suas músicas e com as estranhezas gerais do lugar. Subindo o primeiro lance de escadas e virando para o próximo corredor verá uma porta cor caramelo, um tanto moderno (visto o restante das portas) e um tapete capacho felpudo logo abaixo. E se tiver sorte vai encontrar a Gatinha do 101 , com olhos gigantes e amarelados, fofinha, olhando quem sobe e quem desce, sempre impassível. Quando começaram a deixa-la solta algumas minutos por dia ela acabou ficando com medo das pessoas e corria vez ou outra. Com o tempo ela passou  a não se importar com as pessoas e ficou cada vez mais no meio do camin...

Ratinho do poder

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Foto: crédito na imagem Noite dessas Jade ia chegando no cortiço Eucaliptos, cambaleando pelo estacionamento, quando, ao longe, viu um gato estranho andando para lá e para cá entre os carros. Chegando mais perto Jade viu que o seu gato na verdade era um gabiru que rondava o estacionamento e as vielas do cortiço em busca de comida. Manter um corpinho gigante daqueles dá muito trabalho e precisa de muito lixo orgânico para suprir as necessidades. A sorte é que Jade não tem medo de ratinhos geneticamente incentivados – mas é sempre bom dar espaço para esses bichos e Jade foi embora, deixando-o em paz. Não é de estranhar que, além das baratas cascudas que entram pelas janelas dos prédios velhos e decadentes, ratos se criem por entre as lixeiras impróprias de cada conjunto de blocos. Esses depósitos, que dão muito trabalho para o pessoal da manutenção, é o exemplo eficaz de lixão adaptado para condomínios. Daqui a pouco as baratas vão entrar pela janela aberta, comer a pele morta ...

A bêbada do outro prédio

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Quadro: Square House, Amsterdam. James McNeill Whistler. 1889. Às 15h a bêbada do outro prédio liga o aparelho de som e programa-o em três músicas, da Elis Regina e da Alcione (de vez em quando aparece também o Belchior), e começa, então, o suplício dos moradores do cortiço vermelho. As mesmas músicas são repetidas indefinidamente enquanto a bêbada consegue andar ou ter consciência e isso pode durar até dois dias, considerando as noites. A bêbada não tem muita noção de tempo quando se entrega à depravação, à bebida e ao ócio. Tudo o que ela quer é ouvir as mesmas músicas, no último volume, e incomodar os vizinhos avisando-os, por meio de sinais diversos, que ela não está nem aí para as convenções sociais. Não demora muito, a partir do momento em que o som é ligado, e ela começa a ter discussões ferrenhas com o marido (se for realmente marido). Palavrões e xingamentos dos mais vulgares saem pela janela dela e entram nas dezenas de janelas vizinhas. Uma forma muito interessante...

Do meu quarto ouvi a fuzilaria

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Madrugada passada o silêncio banal de uns apartamentos, os gemidos de outros e o sono de alguns honrados cidadãos de tantos outros cubículos do cortiço Eucaliptos (ou Eucalyptus, eles ainda não se decidiram) foram interrompidos por uma discussão doméstica ao pé de um dos prédios. Uma mãe que literalmente pôs a filha sobre os ombros, e depois foi ao chão junto com ela, para que esta não fosse se encontrar com um tal de "ele". E como era de praxe, colocaram o deus dos hebreus no meio da briga e um tal de pelamordedeus para evitar que ela e " ele" se juntassem mais uma vez. Cá para nós - nem Deus pode dormir com esse pessoal chamando por ele toda hora e por qualquer banal motivo. E olhe que  Ele proibiu dos seus fiéis chamá-lo em vão, já prevendo a chateação. Só que parece que não deu muito certo. Daí a pouco "ele" chega, a mãe grita mais e a filha insiste e persiste na ideia fixa até conseguir concretizá-la. E vai embora, madrugada afora, com ...