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O outono de Áries

 O outono começou lavando a rua, os telhados, os pés cansados de tantos andarilhos-em-circulo. A água revelou goteiras nunca antes vistas, a necessidade de mais roupas de cama e preocupações diferentes.  O outono anda escondendo Áries, sentida por todos, tendo eles conhecimento disso ou não. Mais cedo, ali na praça, uma colisão entre dois veículos foi a atração rueira. Um pouco antes e em direções opostas, duas outras colisões chamaram a atenção dos transeuntes.  Um pisciano reclama da má sorte, um escorpiano anda arisco, um ariano anda...bem, como sempre anda um ariano. Agora ouço a chuva e não sei se pagaram um boleto necessário e dúvidas persistem sobre outras ordens de pagamentos. Um dia de cada vez, é o que nos pedem.  Pode ser que nesse outono tenhamos frutas mais baratas e amores mais populares - é essa a esperança do pós-pandemia. O que se pode saber, com precisão, é que Belchior, nessas madrugadas pensantes e tão chuvosas, é ainda mais fundamental.

Inverno particular

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O portão indica quando o inverno está próximo - a fechadura sempre emperra em dias cinzas e úmidos, parece até que ele é sensível como aquela música invernal da Adriana Calcanhotto.  Nesses dias a rua alaga, como sempre acontece nos logradouros calçados apenas nos papéis burocráticos da prefeitura, e pedestre algum consegue transladar-se sem perder o resto de dignidade que sobra em um saldo de vida ridículo. Na rua, entre poças e lixo, os gatos nos observa com a altivez característica dos animais exaltados. E quem não se sente abandonado entre tamanhos descasos? Quem não gostaria de poder trancar-se em casa, esperando que tudo passe, menos a chuva? Existem abandonos cruéis demais para serem descritos e momentos tristes demais que caem na conta do cansaço diário.  Não água fresca sobre nossas cabeças e nem redes que nos descanse. Só uma incessante reunião de impossibilidades impostas goela abaixo. Abaixo de nós há somente escombros de sonhos e nada mais. Eu vi o gat...

Eu apenas queria que você soubesse

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Eu queria que você soubesse que na minha cabeça, enquanto ando por aí de ônibus lotado e em ruas sem nenhuma infraestrutura, tocam músicas de Gonzaguinha que, por vezes, não me deixam desistir.  E eu já desisti todos os dias durante anos. E Eu apenas queria que você soubesse tocou várias vezes, só para mim, em meus miolos, enquanto a mulher do Acarajé grita a plenos pulmões às minhas costas e o vagabundo incomoda o jovem do lado, no terminal lotado no ocaso dos dias - dias sempre iguais, banais demais. Hoje, porém, diferente de Gonzaguinha e usando sua oração tão linda, eu apenas queria que você soubesse que aquela alegria não está mais comigo há tempos; que meu corpo sangra, de dentro para fora, conotativa e denotativamente; que eu fiquei na estrada, alguma estrada vicinal perdida entre a Bahia e Alagoas, em um dia quente, com fome e sem ter para onde ir, ou fugir; que não acredito mais em amores, nenhum; que a vida é um estar e nada mais que isso.  Eu apenas que...

Dois homens e um amor

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Quadro: Um Desfiladeiro nas Montanhas (Kauterskill Clove). Sanford Robinson Gifford. The Met.    Aquela linda canção do Cazuza cai como uma luva em um domingo de temperatura amena e muita preguiça. Afinal, quem nunca quis "(...) ter uma bomba Um flit paralisante qualquer" E aí você para para pensar que o amor vem dentro e fica preso sob a pele. Não sai por mais que se faça esforço, um imenso esforço, para mostrar que ele existe e está lá, pulsando, existindo.  "Mas no fundo eu nem ligo" E quem liga para o tic tac do tempo que se passou.  Há velhos temas em aberto. Há palavras que pairam como nuvens acima dos cabelos e em olhos brilhantes de fotografias de decênio.  Há amor lapidado entre outros braços, outras bocas, outras experiências. Há você. E você "(...)diz "já foi" e eu concordo contigo Você de perto eu penso em homicídio  Mas no fundo eu nem ligo Você sempre volta com as mesmas notícias.  A noite, enfim, chega.  E o Caju e eu parecemos velh...

Emoções em signos

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Xilogravura: A competição entre Apollo e Marysas. Niccolò Vicentino. Metmuseum.  Meus vizinhos amam músicas sertanejas e bregas que exaltam as dores emocionais. Do meu ambiente home office eu as ouço e silencio a minha trilha sonora de modo que consiga ouvir a letra, a melodia, os gritos e as tentativas de cantarolar o hit do momento.  E sempre fico avaliando não a letra cafona ou o ritmo inexpressivo, mas a capacidade de auto identificação com a composição, com as situações da vida que nos impulsiona a traduzir em signos todas as emoções que nos alegram e afligem na montanha russa brasileira que é viver em condições difíceis e com pessoas não menos complicadas. E se não é possível mudar, de imediato, a situação que ao menos consigamos embriagar o corpo, o intelecto e o espírito com música, álcool e paixões requentadas e lembranças adocicadas pelo tempo.   Meus  vizinhos vivem uma vida pobre, que beira a miserabilidade material e imaterial, e parecem não se impo...

Entre sujeiras e miolos XIX

 Jura Secreta. Você se Lembra. Caravana. As músicas se revezam na playlist aleatória. Eu tento resolver problemas de conciliação bancária da NEO Benefícios. Lá fora, outras músicas, outras vidas,, outros sofrimentos, outras alegrias em stand by.  O vento me revela tudo, até os desejos que ficam pelo caminho.  E tudo o que penso são ansiedades (descobertas recentemente) por uma vida que me absorve, mastiga, rumina e cospe de volta.  E o que eu quero? O que eu gosto de fazer?  Passou da hora de fazer a minha própria felicidade, da forma mais egoísta que posso encontrar - limitada a mim mesmo.  Porque, olhando bem, reconhecendo o que gosto, quero e preciso vivenciar, o medo de não ser quem preciso ser é tão pequeno que chega a ser vergonhoso negar-me a mim mesmo esse direito.  Always Remember Us This Way. Miragens. Hallelujah. 

Pulsando

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É, Arnaldo, o pulso ainda pulsa. Por insistência e por uma involuntariedade que excede qualquer perspectiva. Está aí, pulsando. Só as palavras que estão escassas.  Do muito que foi dito. Do pouco que foi compreendido. Do silêncio envolvido. Das meias verdades. Das verdades completas amenizadas. Da vida. O pulso está aí, apesar de tudo. Não há mais o que fazer e nem quem ouvir porque a compreensão não está em lugar nenhum.  E nenhum aneurisma à vista. Foto: Rafael Rodrigo Marajá/Arquivo Pessoal

O todo ou nada

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A vida, uma desordem que encontra repouso no caos, eu vou colocando em pontos, vírgulas e reticências esperando que mais tarde tudo se resolva. Que o tempo, que a tudo cura, lamba meu corpo e me resfrie do calor da fornalha. E eu estava colocando todas as pontuações necessárias quando nostalgias e saudades me assaltaram, levando minha frágil paz. De momento, assustado, quase me desesperei. Refleti. Armei estratagemas. Fui buscar o que era meu. No meio do caminho, Simone começou a cantar Migalhas e então eu parei. Tão linda, tão profunda e tão real que parecia que o compositor tinha escrito cada verso em minha homenagem e que Simone cantava para mim. A cada segundo eu retrocedia à minha frágil paz e ao momento em que de mim roubaram. E pude dizer, junto com a canção, que eu não quero e nem preciso de migalhas de um amor egoísta. Que a pessoa, incapaz de mudar e de compreender o que realmente significa viver um amor, seja feliz e guarde as migalhas desse amor tóxico, embora promotor de b...

Trabalhador Brasileiro V

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 A voz forte de Maria Bethânia ecoa pela casa.  "(...)no balanço das ondas me ensinou a bater seu tambor, okê arô (...)" E reflito sobre a trabalhadora da empresa de transporte coletivo de Aracaju, à espera do 001 - Augusto Franco/Bugio. Reflito sobre o poder que elas e os companheiros de trabalho dela têm sobre os empregadores, políticos e empresários; sobre o fato de os rodoviários serem tratados como criminosos quando reivindicaram o direito a ter um ticket alimentação, dignidade e boas condições de trabalho. Reflito sobre os critérios que a hipócrita Drogasil, logo ali na esquina, empurra goela a baixo, de clientes e funcionários, só para vender mais, lucrar e enriquecer acionistas alheios às necessidades dos trabalhadores que são assediados, perseguidos e humilhados por gerentes e supervisores fracos, moral e intelectualmente. Reflito sobre as pessoas que transitam em shoppings, comprando lixo. Reflito sobre o poder que reside nas mãos de cada brasileiro e de...