Inverno particular


O portão indica quando o inverno está próximo - a fechadura sempre emperra em dias cinzas e úmidos, parece até que ele é sensível como aquela música invernal da Adriana Calcanhotto. 
Nesses dias a rua alaga, como sempre acontece nos logradouros calçados apenas nos papéis burocráticos da prefeitura, e pedestre algum consegue transladar-se sem perder o resto de dignidade que sobra em um saldo de vida ridículo. Na rua, entre poças e lixo, os gatos nos observa com a altivez característica dos animais exaltados.
E quem não se sente abandonado entre tamanhos descasos? Quem não gostaria de poder trancar-se em casa, esperando que tudo passe, menos a chuva?
Existem abandonos cruéis demais para serem descritos e momentos tristes demais que caem na conta do cansaço diário. 
Não água fresca sobre nossas cabeças e nem redes que nos descanse. Só uma incessante reunião de impossibilidades impostas goela abaixo. Abaixo de nós há somente escombros de sonhos e nada mais.
Eu vi o gato negro.
Ele se aproximou.
Falou.
E se foi.
Eu nada falei - invernal que sou, não precisei falar.
O inverno chegou fora, para equilibrar o meu inverno particular.

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