Sem perdão ao liberto


Nem bem o comércio abriu as portas e o horário de trabalho começara e lá estávamos nós, reunidos em solene obrigação de desgraçados que não nasceram abastados - trabalhando ao som das correntes virtuais e do chicote da falta de privacidade de câmeras e microfones em todos os ambientes. Não bastasse isso, ainda tinha a infernação de ter que olhar para a novidade no outro e ter que acha-lo bonito com falsas expressões de admiração.
Aprovar cada inutilidade que o outro faz é rebaixar-nos à mediocridade imperdoável. E isso, jamais.
Embora a vida seja banal cotidianamente e tenha eventos desagradáveis dia sim e dia também, é demais ter que carregar o peso da nossa existência e a obrigação de aprovar, por convenção social, as banalidades alheias.
Livrei-me do peso de amizades escabrosas, falsos amores, ilusões pobretanas, obrigações sociais. 
Livrei-me de relações tóxicas (com a exceção da minha própria tóxica companhia) e dos subornos e ameaças cristãs.
Livrei-me de tudo e de todos.
Então não me perdoe os viventes em franca decadência por não vos aplaudir em uma sexta-feira matutina por suas obrigações banais. Não me perdoe os vulgares por não cumprimentá-los por suas idiossincrasias. Não me perdoe as mulheres em ruínas por não lhes achar belas - porque não o são. Não me perdoe as pessoas feias por não lhes olhar diretamente a face - meus olhos não foram encontrados no lixo do banheiro.
Porque eu me livrei de qualquer fingimento e de toda a sujeira social. E isso não tem perdão.

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