23:10 - Pelo ralo*

Escultura: Aquamanile in the Form of Aristotle and Phyllis. Metmuseum.

E tudo vai mal quando vai tudo pelo ralo, deixando sobre o piso restos solúveis. E vai qualquer lembrança boa e de tudo sobra apenas as caixas de maldizer sinceros ou não. Mal vão também as tempestades sem frio, no calor das destruições banais.
Ah, essa banalidade inverídica dos amores e paixões presentes e decentes!
Quando não mais os ventos trazem as sólidas formas de nada adianta o pesar, ou o pensar, de perdido tempo, ou não. De nada valem as coisas, os planos, os ditos e desditos, os fatos, os segredos, os causos e os abusos. Não vale mais nada a moeda de troca, muitas vezes, desvalorizada, porém única.
Já não vale mais o passado, porque as águas de março lavaram o chão e foram para o oceano do esquecimento as marcas dos pés cansadas, calados, imutáveis, sempre em pares. Nos trovões surgiram os ícones ocultos pelo silêncio traiçoeiro e dos raios a luz fez brilhar as imperfeições das paredes.
Valha-nos, Deus!
Acabando estão os amores do povo incrédulo na mesmice das boas novas que trazem aqueles outros!
Valha-nos, Iemanjá!
Que para o mar leve, e cada vez mais fundo, as caricaturas medíocres!
Valha-nos, Exu!
Que feche as ruas daqueles mortos, nem sempre nossos, antes que a dispensação acabe com todos!
Valha-nos o que teve de bom a noite complicada e a primavera gelo, que rasga o rosto dos que prestam.

Descendo pelo ralo estão as últimas gotas...


*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael Rodrigo Marajá

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