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Mostrando postagens de 2017

Um caminhão na PE-040

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Fotografia: Olga de Meyer. Adolf de Meyer. 1900. Metmuseum Penteando-se pela manhã, ela procurava um meio para por em prática seu plano autodestrutivo. Pensou que tomar remédios diversos e em grande quantidade era clichê demais. Também não podia dar-se ao luxo de esvair-se em seu apartamento, em meio à solidão que tanto a oprime. Decidiu-se por simular um acidente automobilístico na estrada. Teria que envolver outras pessoas e pensou que um caminhão seria o mais adequado para o seu propósito - não poderia sair viva. Deixou tudo pronto. Avisou a todos que iria viajar, como de hábito, e deixou seu cubículo de habitação em ordem. Fechou a porta, tirou o carro da garagem e olhou uma última vez para a cidade que aprendeu a morar, onde cometeu injustiças e perseguições. Ela era tudo, menos a santa que pintava ser e com uma olhada mais atenta podia-se ver a lama da iniquidade em suas mãos e em seus cabelos.  Foi dirigindo, quase no automático, com um sorrisinho  no rosto,...

A fanática

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Fotografia: Fim de tarde em Palmeira dos Índios. Rafael Rodrigo Marajá. 2017 Rasgando a roupa, o rosto; destruindo as unhas no piso e arrastando-se pelo chão, a mulher gritava desvairadamente por causa do fogo do inferno que se originava em sua cabeça, escorria pelo nariz e inundava o ambiente fechado. A vergonha já ia entrando pela porta da frente, olhando para todos os lados, degustando cada segundo. O fanatismo já estava espalhado pelos telhados das casas vizinhas quando a razão despontou em um flash. Com a faca na mão, preferindo um filho morto a ter que aceitar os fantasiosos erros que criou em sua mente fanática, os seus olhos esbugalhados finalmente vislumbraram a irrealidade de deus que aceita sacrifícios humanos à redenção que pode advir de uma mudança real- quando esta se faz necessário. A vizinhança, de ouvidos atentos, não ouviu mais os berros. Recomposta, com as unhas sangrando, ela recolheu-se à sua vergonha e ao seu quase ato ignominioso. A madrugada adentrou-s...

Cabelo de putinha

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Depois que cada fio competentemente hidratado, penteado, cortado e chapado, veio a dúvida: Não está muito putinha? Ora essa! E o meu direito de ser ou parecer uma putinha fica onde? Não é porque nasci homem que não posso usar do mesmo deboche com que lido a vida inteira. Os homens se você não sabe, vende-se por muito pouco! Ou dão-se de graça! E se pensa que só porque é a "putinha" quem aproveita porque recebe benefícios foi apenas porque você nunca parou para pensar que é o homem que, ao vê-la de roupas mínimas e disposta a tudo e qualquer ato,  fica de quatro, Olhando bem, a putinha da história é sempre o homem que faz qualquer coisa por uma reentrância quente, úmida e disponível. Sendo assim, assumo minha mais escrachada e debochada putanhice, com meu cabelo esvoaçando ao vento, às vezes Paola Bracho, às vezes Tiago Iorc, quando na realidade deveria ser sempre o tipo de cabelo Oswaldo Montenegro. Mas alguém há de dizer: é muito viadinho! Que delícia nunca ser nem...

O natal da Professora Decadente

Depois que se prostituiu para os seus pares em troca de apoio e os seus asseclas virtuais voltaram às suas respectivas insignificâncias, a Professora Decadente não tem nenhuma outra escolha além daquela que sempre recorre - tentar comprar com dinheiro e diárias em hotéis medianos o tempo e a atenção do seu gigolô. Escolhido competentemente para ser exposto em redes sociais, o hotel é o plano de fundo do último e principal recurso que utiliza para sentir-se gente - curtidas e comentários que, fora das redes sociais, revelam-se debochados e sarcásticos. Com o relógio biológico em um tic tac veloz e presa em um romance russo, a pobre, sempre vista como um travesti, precisa recorrer aos seus aposentos para ruminar o fato de que nunca poderá ser uma reprodutora por medo e infantilidade - a corriqueira síndrome de Peter Pan que faz com que velhas creiam-se ninfetas. E embora acredite-se amada e a sua vaidade cresça continuamente, as luzes e o espírito natalino surgem como um balde de águ...

Doce Dezembro

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Quadro: The Palace of Westminster. André Derain. Metmuseum Ah, o dezembro! Luzes, guirlandas, árvores de natal, panetones, o urso polar da coca-cola e uma infinidade de gente sem propósito existencial querendo parecer cristã, justa e correta. Nessa época tão "iluminada" seus inimigos deixam os obscuros recônditos onde se reúnem em concílio para, ornados com gorros vermelhos e dentes podres, desejar-lhe os "mais sinceros votos de felicidade e prosperidade no ano que se avizinha". Facilmente esquecidos das atrocidades que cometeram e que cometerão, tentam enganar a Luz e as Trevas em descarada hipocrisia. Os abraços, tão nocivos quanto a própria radiação, vêm acompanhados do doce perfume das almas corrompidas pelo elogio vulgar e pelo dinheiro fácil. Esses mesmos inimigos que ajoelham-se aos pés de Lúcifer todo natal, todo carnaval e toda páscoa são os mesmo que se dizem cristãos. Então não tenha medo. Sacuda o pó que esses trastes deixam em sua roup...

Ilícito

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De olhos fechados, sentia seu corpo sob o meu, quieto, submisso. O gosto da sua boceta ainda percorria minha boca. Minha saliva tinha o gosto do seu gozo. Seu gemido, ecoando em meus ouvidos, dava-me a gana de fode-la. Preso em seu cu, sentindo sua carne temerosa, sabia que era sem volta. Empinada, em desvario lascivo, gemia com o rosto contra o colchão. Uma cadela no cio. Seu rabo engolindo-me não era o suficiente. Seu corpo precisava de marcas roxas em suas nádegas brancas, gulosas. Puxando seu cabelo para trás, sentido seu cu apertando-me, era o ponto de partida daquela homenagem de corpo no cio. Minhas mãos apertaram-lhe seus peitos – seus bicos rijos convidavam a minha língua, os meus dedos e os meus maus tratos. Aperta A-há, torcia-os com força ascendente enquanto minha boca sugava seu pescoço. Suas mãos em meu cabelo, puxando-me, davam-me o prazer do sofrimento de uma foda animalesca. Seu rabo, contraindo-se comigo dentro, me excitava continuamente. Ela era minha. Seu...

El Rey de la Habana

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Cru, agressivo, real. El Rey de la Habana não é para espíritos sensíveis que se alheiam à realidade e que buscam na agressividade injustificável do preconceito os motivos para não viver. Muito mais ousado que as produções brasileiras Cidade de Deus, Ó Paí Ó, Cidade Baixa e Bonitinha, mas ordinária, El Rey de la Habana escancara o abandono da América Latina, tantas vezes denunciado pelo nobel Gabriel García Márquez.  Não se pode dizer que seja uma produção pornográfica porque sequer chega perto dessa definição. É, antes de tudo, um retrato da periferia latino-americana que não pode fazer nada além de sobreviver à margem daquilo que o capitalismo e as crenças religiosas ditam como aceitável. É animalesco no sentido mais humano da acepção; é intenso; é triste. Com exemplos cabais de que o sexo não sustenta nem relações sociais nem amorosas, demonstra, de forma direta e sem medo, que a vida, sob a maquiagem habitual da civilidade, é somente parte de um medo muito maior que o de...

A prisão dos fracos

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Quadro: South of Scranton. Peter Blume. 1931. Metmusum Separados pela classe social - e pela incompreensível subdivisão autoimposta pelos pobres dentro da mesma classe -, pelas preferências musicais, sexuais e intelectuais, ainda temos as separações oriundas do orgulho e da vaidade, que nada mais fazem do que alimentar inverdades.  O amante que rotula o concorrente de gay, e a dúvida sobre o quão verdade isso é o deixa em estado de plena incerteza e insegurança; a mulher que nunca opina com medo de que sua expressão seja ofensiva ao amor da sua vida; a criança que grita sem ninguém jamais ouvir-lhe. Um mundo de necessitados que deixa que os rótulos, os mais diversos, sejam deuses de suas vidas.  O amante, inseguro, sempre estará na corda bamba da dúvida e, tornando-se mais um Bentinho, será corroído pela insensatez. A mulher, oprimida por si, jamais saberá o que é realmente estar sob o sol de suas próprias decisões e opiniões. A criança, sempre frustrada, será só m...

Um ego doente

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Quadro: Naked Man, Back View. Lucian Freud. Metmuseum, Antes de qualquer coisa - antes de buscar o "amor", antes de desenvolver a raiva gratuita por outra pessoa e antes de querer ser alguma coisa na vida - é preciso desenvolver o ego. Tão fundamental quanto manter relações sociais reais e virtuais, o ego é o propulsor de doenças que degeneram o caráter e que cria relações abusivas e explosivas. É preciso testar o ego - tanto na medida exata em que suporta ser maltratado quanto na extrema oposição a isso. Um ego que não foi testado de dentro para fora é incapaz de gerar um indivíduo saudável e forte, cujo caráter é provado continuamente.  As pessoas que não se submetem a provas próprias, ao limite de sua capacidade, não podem ser consideradas pessoas de verdade. São cascas cuja única função neste mundo  é gerar lixo e fezes. E o pior, para desagrado geral dos pensantes, o que mais se tem por aí são cascas. Daí surge, por exemplo, a geração floco de neve, os megalo...

Um cínico diferente

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Fotografia: Two Pupils in Greek Dress. Thomas Eakins. 1883. Metmuseum. Que coragem teve Quincas para se libertar! Quantos de nós seguimos a cartilha, competentemente sendo o molambo do querer alheio, sem nunca ter a coragem de largar tudo e ir em busca daquilo que realmente quer e gosta? Sendo perfeitos modelos daquilo que foi pré-determinado por alguém em algum lugar em um tempo muito distante, buscamos a estabilidade no emprego, o carro mais confortável, a casa que mais agrada aos olhos dos outros e a aparência e o comportamento que mais sacia aos sentimentos de uma sociedade cínica. A busca acaba se mostrando inútil. Sempre acaba assim. Então imagine que elogio ser dito como "diferente" ou "estranho" em uma sociedade que não sabe ser nada além de pré-moldados. Ser diferente entre escravocetas é não sucumbir à triste realidade da indignidade masculina. Ser estranho em uma sociedade hipócrita é a mais deliciosa sensação - o equilíbrio perfeito entre o...

Um número apenas

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Obra: Euphemia White Van Rensselaer. George P. A. Healy. 1842. Metmuseum. Ninguém gosta de saber que é só mais um número - os números são inanimados, descaraterizados de sentimentos e descartáveis. Os números são pessoas que esqueceram do poder que possuem e que, por esse motivo, imploram por atenção e um cuidado tão excessivo que seria de estranhar como a criatura consegue sobreviver em um mundo tão bruto. Entretanto, não transformamos meras pessoas em números por mero acaso. É um processo longo que demanda tempo, reflexão e o estabelecimento de prioridades. É somente quando a pessoa se torna emocionalmente pesada, exaustiva, repetitiva e sem nenhum atrativo capaz de prender-nos à sua órbita que classificamos e rotulamos cada ato do pobre indivíduo até que nada mais resta além de um vulgar número que serve apenas para causar volume nas redes sociais. Ninguém tem culpa pela procrastinação alheia. Procrastinação de inventar o que dizer, o que fazer e de tornar o ridículo int...

A moeda e a flor

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Quadro: The Steeplechase, Coney Islan. Milton Avery. 1929. Metmuseum. Se não for o dinheiro, é o amor que nos move todos os dias para um trabalho - às vezes medíocre - todas as manhãs. Quando não é o dinheiro, é esse tal de amor - que até hoje ainda não encontrei e creio que muitos milhares também não - que nos oprime e faz com que a indústria da beleza seja uma das mais estáveis. Essa dobradinha entre o amor e o  dinheiro é interessante sobretudo porque, excetuando-os, quase nada resta para nos motivar. Trabalhamos para comprar casa, carro, comida, roupa, ostentar cartões de crédito e débito. Trabalhamos para, na conquista moderna da fêmea, ter um diferencial em relação a outros machos - se você for gordinho ou simplesmente fora dos padrões fitness   pode investir no trabalho de boa remuneração; nada é tão excitante quanto um poder de compra alto. Trabalhamos  para não ficar para trás quando o assunto é sexo.  O outro lado da moeda, esse tal amor, é mu...

Sob o tapete

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Arte: A Storm. Georgia O'Keeffe. 1922. Metmuseum. Mesmo que não admitamos abertamente, alguns serviços e produtos acabam tornando-se necessários, não pela relevância que possuem, mas pela necessidade latente que temos deles. Alguns como a bebida alcoólica, mesmo sendo um perigo insidioso dada sua tendência natural a viciar, permite àqueles que dela fazem uso olhar o mundo sob uma nova perspectiva - e não estou me referindo àqueles que apenas se embriagam.  Do mesmo modo tem-se a pornografia. Viciante, danosa e degradante, a pornografia é a mais antiga forma de ensinamentos de procriação e lazer pragmáticos que podemos lembrar. A pornografia escrita, que excita e mobiliza massas, está aí para perpetuar o conhecimento mundano que muitos não sabem ou querem esconder para sob o tapete. São serviços danosos e propensos ao vício e, de uma maneira geral, irresponsáveis que não se conciliam com os ensinamentos religiosos por inúmeras razões, mas que, sem eles, acabamos no tédio...

O papel do fiel

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Arte: Slide Lecture at the Metropolitan Museum. Max Weber. 1916. Metmuseum Viver de maneira a esconder a personalidade real não é papel da religião, mas somente dos fiéis que, querendo parecer um tanto mais santificados, escondem suas opiniões, suas intenções e suas personalidades inalienáveis de modo que o aplauso do mundo seja mais alto que a voz Daquele a quem deveria servir. _Controle-se! Não diga a verdade! _Oh, não faça assim, o que o mundo vai pensar!? _Ah não, uma mentirinha para o bem pode. E assim segue a saga de quem diz curvar-se diante de uma autoridade Divina, mesmo sabendo que esta não mente, não é hipócrita e que não é preocupada com a opinião daqueles que não a reconhece. Nesses momentos a indagação fundamental "a quem serve esse controle todo?" é pertinente, afinal, não foi o Cristo que, podendo mentir e ser hipócrita para não ser assassinado escolheu a verdade e a retidão, independente do que achariam os homens simplórios e os eminen...

O novo motel de Palmeira dos Índios

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O novo motel de Palmeira dos Índios é um mix entre Drive-in e "cidade baixa". Drive-in porque nem sempre se tem pessoas transando e tem sempre algo para olhar pelo para-brisa  e "cidade baixa" porque, como dizem por aí, no chão até vai, mas no mato? A localização é ótima - próximo ao centro, amplo, bem arejado e a privacidade é variável, esta dependendo sempre do horário em que se deseja fornicar. Você pode escolher se prefere uma superfície inclinada ou ser um pouco mais animalesco e preferir ficar envolto em um vegetação rústica. No inverno, o barulho da água passando pode ser um diferencial. No verão, a brisa que adentra no carro ou o envolve na moto pode ser um refresco muito bem vindo depois de intensos movimentos. Pensado originalmente para ser uma área residencial, o novíssimo e natural motel em voga na cidade não cobra taxas e, para quem passar um dia ou outro à noite, poderá ouvir de gemidos de amor a discussões acaloradas; de carros um tanto ultra...

Não é tudo isso

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Arte: Pygmalion and Galatea. Auguste Rodin. Metmuseum. Não demora e a gente sempre volta ao mesmo tema e, com uma leve variação de personagens e psiquês, à mesma medida de enredo: A ama B, C ama B, D ama B, e B não ama ninguém porque B não está procurando amar ninguém, apenas viver o hoje como se não houvesse amanhã. Mas ninguém entende a equação simples que é o desinteresse por essa história de amar. Também ninguém acerta a medida de não-amor - ou partem para direto para a homossexualidade ou para o sexo escrachado.  E aí, quando uns choram, outros experimentam uma dose a mais de álcool e o ridículo torna-se pedra angular de uma vida tacanha, o acanhamento faz-se presente como peça de um quebra-cabeça que nem deveria existir. Descomplica! O amor não é essa coisa toda que falam. Aposto até que você só o alcança quando não pensa, não o procura e não o define. 

Curvas

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Imagem do Pinterest Essa curvas também abrigam o desejo, a luxúria e a delicadeza. Esses seus vales, por vezes tão profundos e às vezes tão rasos, escondem incertezas que nos une em noites frias, de terror ou efêmero temor, e nos separa em manhãs de verão à beira-mar. Teu corpo, papel de toda cor, é desejo, amor e fumaça. Não seria certo, dentre tão poucas certezas, que deixássemos teus olhos mirando só o agora quando o futuro demora tão pouco para chegar. Não seria justo que nos deixássemos tão justos em roupas de ontem, em distâncias de outros, em corpos multicoloridos que já se foram. Então veste um jeans, calça um All Star azul, prende os cabelos com óculos de sol e deixa que o tempo role nessas curvas – deixa que o tempo envelheça no seu caminhar entre os lagos. E quando sentar, para admirar o mar da Atalaia, não esquece que é o agora, viajante de maresia, que abraça essas suas tão perigosas curvas.

Casamento

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Quadro: Odalisque. Benjamin-Cosntant.  Uma manhã dessas ela chegou e disse “vou me casar”, como se estivesse dizendo que ia à  padaria comprar sonhos. Desferiu-me um casamento a queima-roupa sem dó nem piedade. Seus olhos brilhavam de contentamento ao me fazer entrar em choque. Divertia-se ao debochar da situação, do ridículo que provocou ao colocar mais um em uma história de vários. Mas a alegria efêmera deu lugar à dura realidade quando o pano de fundo caiu, o divertimento passou e o casamento restou. “O que eu faço?”, quis ela saber em meio a lágrimas e incertezas. “Case”. Ela casou, vestida de branco, arrependida, esperando até o último instante para ser salva da própria armadilha. Ninguém a salvou. E competentemente casada, infeliz, arrastando as pesadas correntes da imaginação de um futuro que poderia ter acontecido, entrega-se a paixões diversas. Dia desses, ela disse, ela fecha as portas, abre o gás e toma um vinho. Dia desses, ela disse, ela faz mesmo. ...

A morte do Bumbum

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Foto: Truman Capote. Irving Penn. 1948 E lá ia o Bumbum Guloso, sob a chuva, desviando-se das poças de lama, para a academia. Com a matrícula ainda recente no novo point do corpo, do suor e do prazer, Bumbum Guloso ainda não tinha se adaptado à dobradinha exercícios-cantadas. Ainda com insatisfação pelo bumbum que não crescia, lá ia agachando. Aliás, agachamento era o que não faltava em sua vida. Agachava no trabalho para os impúberes, agachava em casa para o residente, agachava na academia tão logo alguém chamasse. E apesar de tudo a insatisfação continuava ali, martelando – seu bumbum não crescia, não importava o que fizesse. E a concorrência bundástica sempre acirrada, sempre imperdoável. Bumbum Guloso então foi mudando de academia, de instrutores, de alimentação e nada acontecia. Um dia, Bumbum Guloso, na hora fatídica do agachamento de 90kg com o residente, resolveu, orgulhoso, perguntar-lhe sobre o seu desempenho e o seu bumbum turbinado. Ao ouvir, mais uma vez, uma n...

A bêbada desequilibrada

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Foto: Man Lighting Girl's Cigarette (Jean Patchett). Irving Penn. E lá vinha eu, pela turbulenta avenida Alagoas, que agora até de nome mudou, já noite adentro, em um frio domingo típico de Palmeira dos Índios, quando uma bêbada, do outro lado da rua, gritou em minha direção, desfechando em meu peito a milagrosa coincidência do destino de colocar-me diante dela, inesperadamente, para lembrar-lhe de seu amigo, já morto e competentemente morto. Parado, olhando-a sem espanto, em estado de náusea pelo cheiro de bebida e tabaco, estava eu impedido de seguir adiante para não ofender a ilustre memória do defunto desconhecido. Ela quis amizade de verdade - de verdade mesmo, como bem enfatizou diversas vezes - e eu não queria nem o primeiro abraço, imagine o contatinho. A bêbada, cujo endereço eu já tinha conhecimento e agora tento não ser visto sempre que passo próximo à casa dela, teve uma noite feliz depois de rever o amigo morto em mim. Eu, de minha parte chata, só fiquei ab...

A bebida bordô

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Arte: In a Courtyard, Targier. Philippe Pavy. 1886. "El amor es como el vino. A veces nos reconforta. A veces nos destroza". Stefan Zweig Acostumamos tanto a perverter os fatos que quando deparamo-nos com a triste realidade da não reciprocidade de sentimentos acreditamos, fortemente, que é romântico ser atingido por xingamentos e a toda sorte de agressões pela pessoa amada. A regra é, claríssima, é que se na foto todos parecerem felizes e amados, então tudo vai bem. Uma engano comum e tão corriqueiro que passou a ser aceito como padrão em relacionamentos - amistosos e amorosos. A obrigação de amar tira a graça da coisa. A necessidade de estar com alguém leva-nos ao desespero. O amor, nesses tempos sombrios, tem nos levado à beira da loucura e somente nós, individualmente, pode salvar a si mesmo do monstro devorador da autoestima, do amor próprio e de um futuro  - da promessa de um futuro. O amor é vinho nas regiões frias, cachaça na aridez do...

A ex-beata de São Pedro

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Foto: Praça do Açude.Palmeira dos Índios. Imagem da internet Trancada em casa, procurando esconder-se dos próprios demônios, ela se remoía em inveja das antigas amigas que, mesmo tendo alarmantes dificuldades, podiam dar-se ao luxo de discutir, rir e planejar atividades com a família. A fogueira de São Pedro, queimando sob a chuva fina, esfumaçava a rua, as casas, as roupas, a vida dos infelizes solitários que, como ela, não tinha nada além de fofocas e de vis combinações secretas para aplacar o fardo de uma vida infrutífera. A ex-beata de São Pedro, tendo envelhecido como um papel velho abandonado à ação da poeira e das traças, agora tinha que remoer um marido ausente, um punhado de "amigos" oportunistas e uma miríade de arrependimentos. Mas agora, escrava das próprias combinações vis e secretas, tinha que amargar a solidão na fria e imunda casa. Os "amigos", em orgias sodomitas e em prazeres corriqueiros, não só a renegaram, como a baniram de qualquer ti...

Morta, finalmente

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Foto: Alagoas24h. A chuva caia com força sobre o barro vermelho, que já estava mole com tantas chuvas anteriores, tornava-se lama em uma manhã chuvosa no campo santo municipal. O féretro, chafurdado na lama, foi apressado. O buraco, onde a morta seria depositada, ia se enchendo de água, uma água que caía sobre justos e injustos, transformando um buraco vazio em um copo meio cheio. O viúvo, agarrando-se à ideia de beber, fumar e fornicar com uma de suas amantes tão logo o irritante trabalho fúnebre fosse encerrado com o primeiro bolo de barro molhado jogado na cara da defunta. Encaixotada competentemente em um baú de algumas dezenas de reais, a morta não vai mais presenciar a ausência do homem, como ocorria quando a doença ainda roía-lhe as entranhas. Ele, sofrendo na casa da outra, mal se sustentando em pé de tão bêbado, embalsamado pelo cigarro, levou  assim todos os dias em que a mulher esteve sã ou corrompida pela vil enfermidade. Agora, depois que o barro cobriu a po...

A caipora de São João

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Foto: Palmeira dos Índios - AL. Rafael Rodrigo Marajá Às seis da manhã de uma pós-farra junina, em que a fumaça dos restos de fogueira ainda podiam ser vistos na rua e alguns poucos já se dirigiam para os seus cultos matinais, a velha do outro lado da rua já estava de pé, desferindo impropérios contra o vizinho do fim da rua porque este teve a ideia esperada de reavivar a fogueira, reaproveitando a lenha não queimada e as brasas ainda incandescentes. Alheio ao burburinho, o homem assoprava, abanava e esperava a fogueira voltar à sua plena atividade, como tinha sido na noite anterior. Aos poucos a rua ia acordando. Aos poucos a vida ia seguindo. E a velha, galopantemente, seguia seus impropérios e sua ira indignada contra o vizinho. _Agora fica esse aí, fazendo fumaça uma hora dessa. A folia já acabou – tentava argumentar a caipora que incensa a casa de todos da rua ao fumar freneticamente na rua e nas portas alheias. _Mas ainda é São João. Até São Pedro é só fumaça. – ten...

O X Cultural

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Foto: fb/Prefeitura de Palmeira dos Índios De um lado estavam os beberrões, muito bem equipados com suas latinhas de pitu e coca-cola, falando das fêmeas que se espremiam na não-tão-grande multidão que perdia o tempo olhando para o palco. As músicas de sempre, as pessoas de sempre e os namorados entediados de sempre cumprindo o oneroso papel social do relacionamento.Do outro lado, os casais que sempre usam os abandonados prédios próximo à estação para a fornicação diária, sempre depois das 22h, esperando que a madrugada desse um pouco de privacidade. O São João na tal “Capital da Cultura” estava atrapalhando o gozo da própria população, ironicamente. Entre esses dois grupos lá estava ela, de mãos  dadas com um homem e olhando para muito além do palco. Linda, o que é difícil de se encontrar em uma cidade povoada por uma velharia imortal, vestia um vestido junino curto. E, entediada, sendo levada pelo empurra-empurra daqueles que dançavam, acabou largando o homem, que desap...

A fofoqueira da Getúlio

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Imagem: do google maps. 2011 Manhã de fim de verão e estava eu lá, caminhando pela avenida Getúlio Vargas, despreocupado com a vida e com as idiossincrasias dos hipócritas e das poucas pessoas de bem que ainda restam na municipalidade quando ouvi um " psiiiiu". Ignorei completamente, mesmo sabendo quem poderia ser. Mas a insistente fofoqueira e baluarte da difamação e corrupção na cidade insistiu, chamando-me pelo nome. Tive que voltar para dar atenção àquela vulgar e pretensiosa criatura. No exato cruzamento entre a Salu Branco e a Getúlio Vargas, estava eu sendo alugado pela fofoqueira, tendo de ser simpático, como bem manda minha boa educação. Em Palmeira dos Índios é assim - as pessoas fingem que estão esperando a lotação para falar da vida alheia, promover a perseguição e cultivar hábitos vulgares com uma normalidade assustadora. E quem diz que ela é tão vulgarmente baixa é sempre criticado por ir de encontro a uma imagem "boa". É o privilégio das v...

A destruidora de casamentos

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Foto: cena do filme Assédio Sexual A ironia da situação é que o baluarte da moral e dos bons costumes, como frequentemente deixava claro entre indiretas e olhares, é que é pior do que aquelas pessoas que julgava. _ Dora vai precisar faltar hoje – o colega avisou. _Por quê? – sua voz estridente exigiu. _Porque o namorado dela está no hospital e ela precisou ir de repente ao hospital – o colega explicou. _E ela é médica, por acaso? – a honrada personalidade no exercício do dever público ironizou, apenas para fazer graça aos colegas de trabalho. Quem a visse em seu habita t de trabalho, irônica, sentindo-se proprietária da própria moral e da ética, jamais poderia imaginar a podridão que é sua história. Quando confrontada por mentes fracas, tão rotineiras em seu trabalho, julgava cada uma por seu modo de vestir-se, falar e portar-se à sua frente. Em uma situação assim, quando o colega de Dora explicou-lhe a tragédia pessoal da amiga, esse ser humano tão respe...

A professora decadente

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Foto: Açude do Goiti. Foto da Internet Outro dia ouvi a interessante história de uma professora desesperada por atenção que pagou pelo afeto e apoio dos seus alunos. Segundo relato fidedigno, a desesperada professora desembolsou R$ 400,00 para pagar a festa junina dos seus amados alunos, muito embora esse amor todo não fosse recíproco. A festa junina, em um conhecidíssimo bar de Palmeira dos Índios, ocorreu com a sua presença – uma mulher de trinta anos que ainda quer ser o encanto dos rapazes de dezessete. Servindo como financiadora da bebedeira de menores e maiores de idade e sendo a chacota icônica de toda a juventude, a professora acreditava que estava sendo apenas cool – um ledo engano que ela perpetua em sua mente ingênua. Os relatos da festa incluíram as risadas sobre a corrupta docente que tentava trocar dinheiro, bebida e festas pelo apoio incondicional de alunos e colegas de trabalho. O ridículo da situação assentava-se ainda, em ação contínua, no fato de que os p...

00:10 - Festa de morte*

Vou fazer, quando você morrer, uma festa sem precedentes. Um evento capaz de renegar, do mundo, a amargura, a infelicidade e a incredulidade. Será, das criações humanas, aquela que entrará para a história como a satânica irmã da felicidade. Com músicas, sorrisos, alegrias, brincadeiras, diversões das mais variadas e imprevistas. Será a sua festa, da sua morte. E festejarei o caixão fechado, com todo o cheiro irritante das flores e das velas. A sua lápide carregará o epitáfio do princípio da felicidade nos corações. Não que sua vida tenha sido completamente decadente, nem que sua influência tenha sido desprezível. Apenas que menos um resultará em mais água e mais comida para minhas noites de ociosidade quando nem a solidão da programação televisiva é capaz de fazer-me sorrir com uma bobagem qualquer.

[DENÚNCIA] Venda ilegal de casas do Brivaldo Medeiros

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Foto: Vista de Palmeira dos Índios A ausência do poder público no ainda novíssimo conjunto Brivaldo Medeiros, que surgiu a partir dos lotes do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, tem revelado facetas de corrupção e estorsão realizados por alguns indivíduos que se sentem proprietários dos imóveis. Segundo relatos dos envolvidos e observação  in loco , há pelo menos um indivíduo que está vendendo as casas fechadas ou abandonadas do conjunto, sem autorização do poder público municipal ou da Caixa Econômica Federal.  Ainda segundo os relatos, esse indivíduo, que é um mototaxista clandestino, cobra até R$ 300,00 para entregar a chave de uma casa. Quando não recebe o valor, passa a assediar os moradores de baixa renda, alegando que tem que usar de sua influência para com outros moradores, que segundo ele são os proprietários das casas, para consegui-las. O detalhe é que ele faz, ou tenta fazer essa venda, a pessoas que foram cadastradas e pré-selecionadas pela Cai...

"Amor" de etiqueta

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Obra: Fishing Boats, Collioure. André Derain. 1905. Metmuseum. Há quem compre o afeto - e depois o "amor" - com presentes e promessas. Conheço uma mulher que resolveu comprar o "amor de sua vida" através do empréstimo do carro, realizando as fantasias sexuais do amante e contribuindo para a formação acadêmica do rapaz, em uma relação quase incestuosa  - uma vez que o rapaz é dez anos mais jovem. O homem da relação, mesmo não tendo dinheiro e nenhum tipo de compromisso com ela, notadamente leva o relacionamento adiante por ser cômodo, nas circunstâncias em que está envolvido. Ela acredita estar sendo amada. As pessoas gostam de se iludir.  E é nessa história de ilusão que observo um outro casal que, depois de décadas vivendo no limite, porque tiveram uma origem semelhante ao casal descrito anteriormente, só podem existir como unidade graças à distância e à tolerância.  O "amor", como gostamos de classificar certos tipos de sentimentos que sustenta...

00:00 - Realidade divagada*

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Quadro: Before Dinner. Pierre Bonnard. 1924. Quando eu chegar à sua casa, espero que esteja tudo fora do lugar, em uma histeria que somente nós possamos entender o porquê do açúcar estar no banheiro e da maquiagem na geladeira. E aguardo até que a desordem transforme-se em um aglomerado de coisas falantes, cada um com uma história e uma estação, de partidas e chegadas, de amores e dissabores. Olharei para a deposição de um refrigerante envelhecido e perguntar-me-ei se no século passado já existia a fórmula da decomposição dos órgãos internos. Se por acaso eu me deparar com uma evolução de algum inseto, projetando-nos como uma pré-história futura, serei obrigado a jogar-me pela janela, se tamanho for o meu medo. Entretanto, dada a quantidade de vezes que criei novos espécimes de vermes em meu liquidificador e em meu vaso sanitário, nas terras muito além do grande rio brasileiro, serei obrigado a admirar os novos bichinhos que serão catalogados só no próximo século. E não será...

23:59 - Chore*

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Quadro: Ariadne. Giorgio de Chirico. 1913. As lágrimas são os dons que fluem abundantemente naqueles que não têm medo de cair na vida sem projetos nem projeções. São as formas de demonstrar, quando não há mais o que falar, o que deu certo, mesmo dando errado. E quão sortuda é a pessoa que, no íntimo de seu consciente, verte um rio lacrimoso ao ouvir outras tantas promessas sussurradas em outras orelhas, ou por outras bocas. E quando, em uma rodovia qualquer, as horas vão passando por você sem menosprezar cada detalhe de outra viagem, outro amor, outras promessas, outros planos, o arrebol avoluma-se para lembrar que dos mais miseráveis, o pior é aquele que, mesmo querendo, não pode chorar. Chore. Nas próximas trezentas e sessenta oportunidades, chore em cada momento. Mas não seja fraco(a). Enquanto chorar por sensibilidades, imbecis, na maioria das vezes, pode transformar um ser em incorrigível criatura desprezível; chorar por uma perda, ainda que com vantagens, em uma hora...