00:00 - Realidade divagada*
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Quadro: Before Dinner. Pierre Bonnard. 1924. |
Quando eu chegar à sua casa, espero que esteja tudo fora do lugar, em uma histeria que somente nós possamos entender o porquê do açúcar estar no banheiro e da maquiagem na geladeira. E aguardo até que a desordem transforme-se em um aglomerado de coisas falantes, cada um com uma história e uma estação, de partidas e chegadas, de amores e dissabores.
Olharei para a deposição de um refrigerante
envelhecido e perguntar-me-ei se no século passado já existia a fórmula da
decomposição dos órgãos internos. Se por acaso eu me deparar com uma evolução
de algum inseto, projetando-nos como uma pré-história futura, serei obrigado a
jogar-me pela janela, se tamanho for o meu medo.
Entretanto, dada a quantidade de vezes que criei
novos espécimes de vermes em meu liquidificador e em meu vaso sanitário, nas
terras muito além do grande rio brasileiro, serei obrigado a admirar os novos
bichinhos que serão catalogados só no próximo século. E não será agradável ter
que matar nossos novos amigos apenas para fazer bonito para nossos convidados.
E, quando os antigos-novos amores telefonarem,
teremos que brindar-lhes com uns tantos novos animais de estimação,
alegando-lhes que, no futuro, será uma honra ter um espécime oriundo de nosso
jantar de dois meses passados.
No fim da tarde de um dia de conselho ousado,
espelhado nos grandes pensadores dos séculos da falta de higiene, teremos que
reconhecer que somos os mais fiéis seguidores de Proust e de suas criações de
larvas.
*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael
Rodrigo Marajá
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