23:59 - Chore*
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Quadro: Ariadne. Giorgio de Chirico. 1913. |
As lágrimas são os dons que fluem abundantemente naqueles que não têm medo de cair na vida sem projetos nem projeções. São as formas de demonstrar, quando não há mais o que falar, o que deu certo, mesmo dando errado. E quão sortuda é a pessoa que, no íntimo de seu consciente, verte um rio lacrimoso ao ouvir outras tantas promessas sussurradas em outras orelhas, ou por outras bocas.
E quando, em uma rodovia qualquer, as horas vão
passando por você sem menosprezar cada detalhe de outra viagem, outro amor,
outras promessas, outros planos, o arrebol avoluma-se para lembrar que dos mais
miseráveis, o pior é aquele que, mesmo querendo, não pode chorar.
Chore.
Nas próximas trezentas e sessenta oportunidades,
chore em cada momento. Mas não seja fraco(a). Enquanto chorar por
sensibilidades, imbecis, na maioria das vezes, pode transformar um ser em
incorrigível criatura desprezível; chorar por uma perda, ainda que com
vantagens, em uma hora de extremo saudosismo, pode transformar uma pedra na voz
suave de uma vida bem vivida.
De todos os prazeres da gula, de todas as formas de
vivenciar uma estada em um sorriso, de todas as maneiras de fixar raízes em um
solo impreciso como um coração alheio, somente através da água salgada de uma
lágrima é que se pode, não sem muito esforço, eternizar-se na linha temporal de
uma chegada solitária.
Chore.
E por todas as vezes que desenharam corações na
praia, junto ao mar, chore.
E por todas as vezes que a ira fez vociferar, chore.
E por todas as formas de um amar contido,
irrespondido, chore.
E por todas as pessoas que morreram, ainda em vida,
chore.
E por todos os amores que perderam o foco,
deixando-o(a) à mercê de suas angústias, chore.
Por todas as suas alegrias, chore.
Assim, entre rios abafados pelos travesseiros e
soluços calados pelo medo da descoberta, poderá ser minimamente feliz, mas uma
felicidade que pede mais experimentos que possam originar novas lágrimas. Cada
gota é uma vida. Cada vida um crescimento. Cada crescimento um novo (re)começo.
Dessa maneira, esconda-se dos seres desafortunados,
sem a sorte de uma lágrima cheia, extremamente gorda.
No fim, bem lá na curva onde a dúvida surge, verá
que, no fundo, o sempre existe dentro de cada úmida lagrima. E você, meu(minha)
caro(a), descobrirá a força que os fracos insistem em negar.
*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael
Rodrigo Marajá
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