Um caminhão na PE-040

Fotografia: Olga de Meyer. Adolf de Meyer. 1900. Metmuseum

Penteando-se pela manhã, ela procurava um meio para por em prática seu plano autodestrutivo. Pensou que tomar remédios diversos e em grande quantidade era clichê demais. Também não podia dar-se ao luxo de esvair-se em seu apartamento, em meio à solidão que tanto a oprime. Decidiu-se por simular um acidente automobilístico na estrada. Teria que envolver outras pessoas e pensou que um caminhão seria o mais adequado para o seu propósito - não poderia sair viva.
Deixou tudo pronto. Avisou a todos que iria viajar, como de hábito, e deixou seu cubículo de habitação em ordem. Fechou a porta, tirou o carro da garagem e olhou uma última vez para a cidade que aprendeu a morar, onde cometeu injustiças e perseguições. Ela era tudo, menos a santa que pintava ser e com uma olhada mais atenta podia-se ver a lama da iniquidade em suas mãos e em seus cabelos. 
Foi dirigindo, quase no automático, com um sorrisinho  no rosto, imaginando quantas lágrimas teriam que derramar em seu velório e quantos pedidos de perdão teriam que ser emitidos sobre seu caixão. Divertia-se com todos esses pensamentos. 
Por volta do meio dia, na PE-040, avistou um caminhão robusto na contramão. Acelerou. Foi para a contramão e desfez-se da vida. O caminhão ficou parcialmente destruído. O carro dela virou uma massa de engrenagens e ferragens, levemente tingido de sangue. O corpo teve que ser retirado aos pedaços.
E ninguém chorou.
Ninguém pediu perdão.
Ninguém se importou.
A vida seguiu em frente.

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