Do outro lado da parede




Arte Abstrata

As pessoas têm o hábito de esperar aquilo que, talvez, não se pode esperar e acabam se decepcionando. Ah!, essas decepções são apenas frutos da imaginação de quem só espera. E isso é um dom de muitos! Entretanto, contrapondo-se a esse movimento gerador de desilusão está a curiosidade, ou melhor, a forma de pessoas inquietas olharem, de longe e sem interesse, a vida alheia.
Pois é assim que se desenvolve a vida de muita gente, ou pouca se comparar com aquelas que se decepcionam. Imagine então que os indivíduos que moram em casas alugadas sabem que o imóvel nunca será seu e, portanto, seus vizinhos podem ter uma vida tão inconstante quanto a sua. E de mudanças na casa do lado, todos sabemos um pouco da vida alheia.
Em uma dessas mudanças – apenas mais uma na rede finita de mudanças possíveis já feitas – acabei dividindo uma parede com um casal bem à moda década de 80, quando a mulher era apenas a dona de uma casa não dela, nos anos iniciais de sua adolescência. Acontece que entender o que ocorre do outro lado da parede não é fácil. Para falar a verdade é uma tarefa completamente desafiadora uma vez que os dados disponíveis são privados do sentido ocular. E embora pareça extrema curiosidade, não é se considerar que a parede não é capaz de reter tudo o que é produzido do outro lado, incluindo principalmente a queima da nicotina e os sons variados.
Entre limbos de fumaça de cigarro e a voz infantilizada da moça-do-outro-lado-da-parede fui criando a figura das pessoas que se dedicam aquilo que chamam diariamente de vida e de amor. E um temor estressante está sempre presente quando analiso a vida e o amor de pessoas diversas, encontráveis em rodoviárias, casas vizinhas ou nas ruas. Se pensarmos um pouco, essas pessoas vivem um tipo de ilusão estranha que as impede de querer mais que o que tem. E nesse não querer os anos passam, os amores vão e vêm, mudam-se. E um dia, inevitavelmente, se darão conta que não fizeram nada demais na vida como mudar a história – ainda que seja a da própria rua -, que não foram influentes, que não produziram nada além do incompreensível ciclo da vida. E podem não se arrepender. E tomaram que não se arrependam.
O contrário disso, também pode gerar arrependimento. Sucesso sem amor é também fracasso.
Mas pensar na vida como ela é sem as flores falsas do romantismo e olhar as pessoas como realmente vivem, sem deixar de observar o objeto de amor e desejo dessas pessoas, é um exercício que só cabe acompanhado de uma garrafa – depende do que aguentar – com uma boa dose de imaginação e controle. Quem disse que dividir parede é fácil não sabe quão complexa é a vida nos dois lados de uma fronteira de tijolos, cimento e cal.
Os limbos de fumaça irão acabar dentro de poucas horas. A-moça-do-outro-lado-da parede vai embora e nunca mais será vista – pelo menos não por meus nobres globos oculares – junto com seu objeto de amor e vida. Outras pessoas chegarão com novos hábitos.
E um dia, ainda que seja no além-túmulo, vamos lembrar de detalhes da nossa vida que nos levaram para muito longe – de outrem ou de nós mesmos – e, talvez, lembremo-nos de pessoas que não conhecemos pessoalmente, mas que causaram minutos de grandes pensamentos e influências.
Decepções? Isso depende do que cada um espera.
Hábitos? São traduções do que não se diz.
A vida alheia? Talvez a volta de grandes aventuras inventadas!


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