Mendigo interior
![]() |
Área de Embarque/Desembarque. Terminal Rodoviário de Arapiraca. |
Quem viaja, regularmente, e corta Alagoas passando pelas cidades de Arapiraca e Palmeira dos Índios certamente já se deparou com as particularidades das rodoviárias da Capital do Agreste e da Princesa do Sertão. Além do não maravilhoso sistema de transporte alternativo, hospedado em parte exclusivamente na rodoviária de Palmeira dos índios, existe a o isolamento natural do terminal da Capital do Agreste, Arapiraca.
Baseado em um opressivo silêncio e em um frio desolador,
independente da estação do ano, o terminal arapiraquense é uma atividade
involuntária de mendicância. Sim, de mendicância!
Imagine que são 3h15min de uma madrugada outonal, uma chuva
fina acompanhada de umas três ou quatro almas em um balcão de lanchonete lança-se
sobre a cidade intermitentemente e o frio senta-se na área de
embarque/desembarque. Ao longe, no mesmo terminal, um mendigo compartilha o
estado físico inabitado. E, de repente, nessas condições, há uma sensação de
mendicância atrelada à passagem; um sentimento de como os mendigos se sentem
nas ruas e becos das cidades; um estado de abandono que se manifesta nas frias brisas da
madrugada; uma troca de lugar com os mendigos.
E, reflexivamente, nossas vidas confortáveis isolam-nos da
realidade das ruas e de como as pessoas realmente vivem. Nossos egoísmos
espalham-se pelas praças, bares, festas e exclusivismos fazendo com que nos
preocupemos em sujar-nos com o triste fim de milhares de pessoas que, por um
motivo ou outro, acabaram sob uma marquise ou deitado sob o azul do céu
profundo.
Tal isolamento torna-nos, além de fracos – uma vez que
passamos a ser capazes de avaliar com profundida a vida como ela é -,
mesquinhos – ainda mais do que já somos.
Entre uma viagem e um descanso, as paradas em rodoviárias
revelam-nos que a inconstância do abandono cuja manifestação mais evidente é
emoldurada pelo frio. Mendigos são formas de vida que podem não ter recebido a
atenção necessária para seguir em frente, assim como o frio nos leva o calor
nas noites de parada em áreas de embarque/desembarque.
Na Capital do Agreste, onde não vive nenhuma Tieta, mas há
alguns bordéis, também existe aquilo que envergonha
a nobre sociedade. Na Princesa do Sertão, onde não há amor que resista a
mais de uma estação, os mendigos já podem ter morrido ante o frio das serras.
E todos os dias, o transporte vai de mal a pior, o frio é
combatido nas casas – ainda que paupérrimas – e, fora do isolamento natural das
pessoas de bem, outras abraçam a
noite com os braços sujos dos dias.
Comentários
Postar um comentário
Após análise, seu comentário poderá ser postado!